domingo, 14 de agosto de 2011

O terrorismo "no tech" (Trópico)

entrevista
atentado


O terrorismo "no tech"
Por José Galisi Filho

Jornalista alemão conta como Bin Laden escapa do monitoramento da alta tecnologia

O jornalista Michael Lüders é considerado um dos principais especialistas alemães em Oriente Médio e grupos fundamentalistas islâmicos. Seus artigos e reportagens no “Die Zeit” se destacam pela solidez das análises e das informações de que dispõe _ele chegou a entrevistar o braço direito de Bin Laden, o médico egípcio Aiman al-Sawahiri, chamado de "Doutor Morte". "Aquele homem parecia absolutamente amigável, não parecia um assassino frio", conta.

Na entrevista abaixo, ele explica como funciona o mecanismo de ação terrorista concebido por Bin Laden, que permite que ele escape ao monitoramento de alta tecnologia das potências ocidentais. “O lema dele é ‘no tech no lugar da high tech’, nenhum celular, nenhum e-mail, nada que deixe qualquer vestígio ou possa ser rastreado eletronicamente.“ Na opinião de Lüders, autor de “O Sorriso do Profeta Uma Viagem Árabe” (Ed. Rotbuch), os atentados aos Estados Unidos foram o manifesto de fundação de uma “Nova Internacional do Terror Mundial”.

O terrorismo na Alemanha nos anos 70 era formado por universitários de esquerda que tinham ligações com a Organização pela Libertação da Palestina. Como ele se diferencia da forma de terrorismo que vemos hoje?

Michael Lüders:A qualidade, a intensidade e a dimensão de ambos é diferente. Antes, tratava-se de uma questão nacional alemã, uma questão interna da então República Federal da Alemanha. O terrorismo palestino na época também era uma forma de terrorismo voltado para uma luta de libertação colonial, portanto, uma luta política. Os terroristas alemães pretendiam, quando muito, derrubar o governo, que eles identificavam com a decadência do capitalismo. Esta era, por assim dizer, a “vantagem” desse terrorismo: ele era regional, e mesmo a solidariedade entre grupos não se sobrepunha a essas questões. O que temos agora é o manifesto de fundação de uma Nova Internacional do Terror Mundial, um terrorismo sem limites.

Como funcional essa Nova Internacional do Terror?

Lüders: A novidade é que este terrorismo, agora, escapa ao monitoramento de nossa alta tecnologia. Trata-se de um rede muito difusa, em parte comandada do Afeganistão, onde há apenas uma conexão com a internet, controlada, por sinal, pelos próprios talebans.

Ben Laden cometeu um erro grave no atentado ao World Trade Center, em 1993, quando teve uma ligação de seu celular interceptada pela CIA. Prometeu nunca mais repeti-lo. Nunca mais ele usou essa tecnologia. O lema dele é “no tech no lugar da high tech”, nenhum celular, nenhum e-mail, nada que deixe qualquer vestígio ou possa ser rastreado eletronicamente.

Como são difundidas as ordens sem uso de tecnologia?

Lüders: Seguindo uma tradição antiga dessas sociedades, este terrorismo somente se articula com vínculos pessoais, com a palavra oral dos mensageiros. Cada célula é composta de cinco a dez pessoas no máximo. Elas se espalham entre Argel, Hamburgo, Nova York e Bruxelas, mas podem ser ativadas a qualquer momento. Quando Bin Laden, por exemplo, resolve despertar um comando suicida num ponto, ele manda um mensageiro para um outro bem distante.

Essas pessoas se vestem de modo ocidental, passam completamente despercebidas e não se enquadram no estereótipo do “barbudo” xiíta com sua metralhadora a tiracolo. Tanto o mensageiro, como os terroristas “adormecidos”, não se conhecem e não têm uma ligação direta. Nem sequer eles mesmos sabem quem deixou as armas preparadas para eles num parque, numa lata de lixo ou já dentro dos aviões.

Na hipótese de um ou outro ser preso, não haveria nem sequer a possibilidade de desbaratar a célula anexa, pois, de fato, ninguém se conhece e, mesmo se eles se conhecessem, é de se duvidar se seriam capazes de trair um companheiro. Portanto, não existe hierarquia, não há nenhum chefe, mas apenas obreiros humildes do terror movidos pelo mesmo credo suicida.

Existe algum cálculo sobre quantos terroristas “adormecidos”, à espera de uma mensagem para que possam atacar, existam na Alemanha?

Lüders: Ninguém sabe precisamente quantos eles são na Alemanha. Calcula-se oficialmente que existam pelo menos cem. Acredito que o governo federal esteja levando muito a sério esta ameaça e tomando todas as providências no sentido de localizá-los e impedir que ocorra uma nova articulação, como na célula de Hamburgo.

O sr. entrevistou o braço direito de Bin Laden, Aiman al-Sawahiri, chamado ”Doutor Morte“, um médico egípcio que pertencia à organização que assassinou Anuar Sadat, em 1981. Como foi esse encontro?

Lüders: Encontrei-me pessoalmente há dois anos no Egito com ele. Al-Sawahiri é simplesmente o líder estratégico da rede terrorista de Bin Laden e seu representante direto no Jihard do Paquistão. Uma das razões pelas quais o governo do Paquistão apoia os talebans é que as milícias de Ben Laden lutaram na Caxemira para enfraquecer posições hindus. O exército regular do Paquistão não participou dessa luta, utilizando a infiltração dos talebans e seu impulso, como sabemos suicida, para ações devastadoras.

Quando entrei na sala li na parede do fundo a inscrição “Alá é o único Deus”, escrita com cartuchos vazios de rifles. Havia duas sentinelas muito bem armadas que me vigiavam enquanto esperava. Foram uns 20 minutos de espera e fiquei um pouco apreensivo. Então, ele entrou na sala com sua kalachnikov, cumprimentou-me efusivamente e sentamo-nos no chão para tomar um chá. O mais surpreendente é que aquele homem parecia absolutamente amigável, não parecia um assassino frio. Ele falava de maneira muito baixa, cortês. Eu jamais diria estar diante de um assassino profissional.

O que pretende Bin Laden?

Lüders: A declaração de guerra aos Estados Unidos seria na verdade a tentativa de derrubar os todos os regimes árabes pró-ocidentais para o estabelecimento de um Estado mundial islâmico. Foi isso que Osama Bin Laden declarou aos Estados Unidos no dia 11 de setembro. Que essa violência assuma os contornos de uma guerra santa contra o Ocidente é incidental, pois trata-se na verdade de uma luta de poder dentro do mundo islâmico. As vítimas civis americanas são apenas o pretexto para desestabilizar esses regimes e lhes dar uma vantagem. Esse seria, a grosso modo, o conteúdo político do projeto dos talebans.

José Galisi Filho
É doutor em germanística pela Universidade de Hannover (Alemanha).

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