terça-feira, 30 de agosto de 2011

Além do “Paradigma von Braun”, Astrofuturismo, Era Espacial Clássica - Entrevista com Alexander Geppert (Technische Universität Berlin, Berlin, 18.07.2011)


O recente encerramento do ciclo Schuttle coincide também com uma profunda crise das visões que sustentaram a Era Espacial Clássica desde o lançamento do Sputinik, em 1957, e da Corrida à Lua. Aquele "passo gigantesco" anunciado pelo Projeto Apollo logo terminaria num anticlimax depois de 1969, e, com ele, a aura daquelas visões épicas de um futuro do passado de expedições tripuladas e de humanos em Marte, em 1980, ou mesmo em Jupiter, em 2000.

Se o Projeto Apollo incediou a fantasia de novas gerações com a promessa de uma "humanidade" finalmente reconcialiada em sua vocação planetária, ao fim, deixaria um enorme vazio nas décadas recessivas e de impasses energéticos e catástrofes ambientais, mas, sobretudo um legado de milhares de "viúvas" nas comunidades científicas que hoje vêem em Marte a nova fronteira. Estas visões se "desficcionalizaram", sem dúvida, tornam-se mais sóbrias, dissolvendo-se na banalidade do jogo político pelas verbas e há mais de quarenta anos mal conseguimos nos fixar nas baixas órbitas.

E muito embora a exploração robótica tenha inaugurado uma Nova Era de Ouro da Astrofísica, desde os setenta, dando um salto de milhares de anos de conhecimento com o triunfo das "voyagers" e do Hubble, apenas reparado graças à Shuttle, o futuro humano da exploração e colonização espacial a longo prazo é uma incognita, pois ainda está baseado em visões que, em última instância, são politicas e dependem de árduas negociações entre as diversas comunidades científicas, isto é, a menos que o acaso na forma de um destes asteróides ou cometas traiçoeiros resolva mostrar à política o que realmente está em jogo. Enquanto isto, ela só existe mesmo em Hollywood, na Disney e nos programas do Discovery e History Channels e, de maneira mais realista e agressiva, nos novos atores do jogo como os chineses.
Esta e outras questões estão na base do grupo de trabalho do jovem pesquisador Alexander Geppert, "Die Zukunft in den Sternen: Europäischer Astrofuturismus und außerirdisches Leben im 20. Jahrhundert", "O Futuro nas Estrelas: Astrofuturismo Europeu e Vida Extraterrestre no Século 20", da Technische Universitaet Berlin em torno da cultura astrofuturismo, um conceito que serve tanto como plataforma unificadora das ramificações culturais da exploração espacial, bem como eixo de projeção de suas visões do futuro. O grupo de Geppert (http://www.geschkult.fu-berlin.de/e/astrofuturismus/mitarbeiter/projektleiter/ageppert.html) recebeu da prestigiada Deutsche Forschungsgemeinschaft uma dotação de 1,1 milhoes euros para sua pesquisa no programa Emmy Noether-Forschergruppe, que se destina ao apoio dos mais jovens e brilhantes talentos da comunidade científica na República Federal e é a propria Nasa que busca em seu trabalho as bases para uma reflexão teórica sobre sua própria historicidade. Geppert concedeu, em Berlim, esta entrevista ao AstroPT.

Vasili Zhuravlev: Cosmic Voyage - Космический рейс (1935) União Soviética

José Galisi Filho - O que é astrofuturismo?

Alexander Geppert - O conceito de astrofuturismo foi formulado pelo teórico da literatura norte-americano Witt Douglas Kilgore, como uma conexão entre o pensamento sobre o futuro e o espaço como nova fronteira, num período que se estende por três décadas entre o final da Segunda Guerra Mundial e meados dos anos setenta, a saber, uma mescla e interfácie entre utopias, visões luminosas da exploração espacial, ficcão científica, genética, estética, política e ciência.

Mikhail Kariukov & Otar Koberidze: Toward Meeting a Dream (Mechte navstrechu) (1963) União Soviética

José Galisi Filho - Neste novo espaço imaginário e interfácie, haveria um astrofuturismo genuinamente europeu ou centro-europeu?


Alexander Geppert - Apenas completando e estendendo a definição anterior. Nós tentamos com nosso trabalho adaptar este conceito para a Europa Ocidental, e, a partir da moldura do astrofuturismo, delimitar um espaço mais amplo de uma astrocultura, no qual se incluem artefatos, pensamentos, e espelhamentos que conotem o espaço direta ou indiretamente, em oposição à Astrofísica, Astrosociologia e Astropolítica. No entanto, este conceito mais amplo de astrocultura, no qual tentamos compreender todo o espectro de fenomenos relacionados à Era Espacial Clássica, é mais abrangente que o astrofutrismo como expressão literária, que estaria mais referido ao espaço da literatura e da ficção científica. No que diz respeito especiamente à Europa, esta é uma questão ainda em aberto para nosso grupo e não sabemos exatamente ainda a resposta, pois a Europa Ocidental desenvolveu-se à sombra do programa espacial norte-americano na Guerra Fria, e seu programa espacial é bastante tardio, começou apenas em 1975, com a criação da ESA, portanto, a partir de quando haveria visões essencialmente européias, pois este programa já surge como parte e resposta à a crise do fim do Projeto Apollo e, neste aspecto, falamos até de um “paradoxo Europa”.

No trabalho de nosso grupo, este é o foco, como na antologia que organizei “Outer Space”, ou, mais recentemente, na mostra de cinema que realizamos no Deutsches Museum de Munique, na qual predominam as contribuições européias destas visões de futuro. Mas, num tempo de globalização e crise ambiental, o global tende a suplantar este foco, não obstante, como disse, é uma questão ainda em aberto. E hoje, por exemplo, com a ascensão de novos atores como China, a Europa também vem tentando resgatar seu prestígio como "third space power".


José Galisi Filho - Na origem desta tradição européia, antes da emergência do astrofuturismo da Era Espacial Clássica acima referido, está o clássico de Fritz Lang “Frau im Mond”, um genuíno produto da modernidade de Weimar, na qual ocorreu uma verdadeira “febre pelos foguetes”. Seu lançamento, em 1929, marca também o fim da tradição das vanguardas históricas do entre guerras entre Berlim e Moscou. Este filme impregnou a imaginação de gerações e, sobretudo, do jovem Werhner von Braun, estabelecendo um novo patamar entre o realismo e a fantasia, com o trabalho de especialistas e engenheiros como Hermman Oberth. O Sr. poderia falar sobre este marco anterior ao astrofuturismo e como foi esta cooperação?


Alexander Geppert – “Frau im Mond”, o último filme mudo de sua carreira, foi, sem dúvida, a fantasia do espaço mais importante desta época anterior à guerra e Fritz Lang lançou mão de quase todos os recursos disponíveis para dar o maior realismo à roteiro e já, mesmo depois da guerra, suas imagens ainda eram um modelo do que seria uma representação “realista”, ou verossímel da exploração espacial, apesar de ser uma obra de ficção. O filme marcou realmente uma virada de época, um ponto alto, em outubro de 1929, em sua estréia no Ufa Palast de Berlim, na audiência estavam ninguém menos que Albert Einstein e as principais celebridades intelectuais de Weimar. “Frau im Mond” foi muito importante também em dois sentidos> primeiro, porque, ao popularizar a fantasia do espaço com realismo, ele também disseminou num grande público a idéia de sua viabilidade prática e, segundo, porque criou imagens poderosas e resistentes que, mesmo depois da guerra, já no incio da Era Espacial, apareciam em revistas e jornais como um “testemunho” desta viabilidade. Embora se tratasse de um filme de fantasia, quando a demanda crescente por imagens no inicio da Era Espacial tornou-se imperiosa, ele ainda nos fornecia ainda este material emblemático. Mas o trabalho com Oberth, especialmente, e a UFA foi uma relação extremamente conflituosa e que faz já parte dos muuitos mitos gerados na produção. Ele também não foi o único e colaboraram também muitos outros experts da época.


Mesmo o rumor de que o filme teria introduzido, supostamente, a idéia de contagem regressiva?

Alexander Geppert – Já não estou tão certo neste ponto, tenho sérias dúvidas, este é um dos muitos mitos e rumores que cercam sua realização, criados talvez pelo próprio Oberth e sempre repetidos. Mas o filme tem este equilibrio notável entre estes dois espacos. Há um triangulo amoroso clássico, um professor enlouquecido, que acredita haver reservas gingatescas de ouro em nosso satétite, mas tambem muitos ingredientes e concessões comerciais e apelativas em prejuízo dos detalhes e da verossimilhanca cientifica, por uma necessidade dramatúrgica, cria-se uma atmosfera artifical do lado oculto da lua, por exemplo. Mas esta crença que você mencionou nos remete ao mito por excelência do filme, pois “Frau em Mond” notabilizou-se, antes de tudo, como uma parte da construção do próprio mito von Braun, sua entronização posterior, do jovem engenheiro capaz de realizar o sonho do velho professor em sua ambivalência entre a fascinação e o horror. As V2 eram, por execelência, armas de terror e objeto do desejo dos aliados.


José Galisi Filho - Tentarei esquematizar ao essencial o grande arco imaginário da Era Espacial Clássica. Na metade dos anos 50, quando o time de von Braun estava marginalizado, no já atrasado programa espacial americano, antes do choque do Sputinik, Wehrner von Braun procurou os estúdios Disney para dar impulso e suporte às suas fantasias de um suposto futuro civil da exploração mas, sobretudo, pavimentar o caminho para seu protagonismo na corrida militar que começaria. Esta visões constituem o que o estudiosos chamam de o “Paradigma von Braun”.

Segue-se o choque do Sputinik que o coloca finalmente no centro, o início da corrida espacial, o ciclo do Projeto Apollo e sua desilusão brutal, que só seria resgatada em parte na última fantasia da Guerra Fria, “Star Wars”, a militarizaçao ficcional de Reagan e hoje se encerra com o ciclo Schuttle. Como o Sr. vê este grande arco. Como se diferenciam as visões do futuro do passado das do presente. A exploração espacial ainda tem ainda visões?


Alexander Geppert – Existe, sim, este grande arco do imaginário naquele duplo sentido ao qual já me referia da fascinação e terror, que corresponderia em linhas gerais ao que chamados de Era Espacial Clássica e nele se confudem as visões, o imenso salto tecnológico, os interesses do complexo industrial-militar e, claro, a frustação daquilo que denomino o fim prematuro do paradigama clássico. Von Braun soube manter a rede internacional de contatos em torno dele e fazer prevalecer seu talento organizatório e quando foi chamado tinha alternativas.

O Paradigma von Braun é, na verdade, o paradigma clássico anterior à Era Espacial, na verdade, este caminho e cartada foi perdido prematuramente antes que a Era Espacial se iniciasse, ele é anterior, inclusive, ao pouso no Lua, e consistiria na ordem 1.) superação da gravidade terrestre, 2.) a construção da estação orbital permanente em baixas órbitas como trampolin para a Lua 3.) e da Lua para Marte, 4.) e de Marte e outros planetas. Neste arco que você traçou, o desenhinsta Chesley Bonestell criou estas imagens plásticas e fascinantes do futuro com forte apelo na luta ideológica e este futuro é o presente da corrida armamenstista contra a União Sovietica, pois, sob o manto civil, permitiria o estacionamento de armas nucleares em órbita, sobretudo depois do shock do Sputinik. O que é fascinante nesta estratégia dupla muito bem sucedida de von Braun é a combinação de fantasia e terror, de ameaças não tão veladas de retaliação nuclear direta do espaço e um futuro civil da exploração espacial, uma ambivalência que o desloca para uma posição quase mítica. E von Braun, com seu inglês fortemente impregnado pelo alemão, encarna esta dualidade não totalmente superada do tecnocrata SS que lava seu passado, como Kubrick o imortalizaria. Por exemplo, “sem os nazistas nao teríamos chegado à Lua”.

A Nasa, fundada em 1957, viveu sua idade de ouro nesta época. Ao mesmo tempo, este arco encerra a unidade da cultura do astrofurismo em sentido amplo e de seu "pathos" que hoje é também objeto de uma nostalgia retrofuturista, um sentimento de entusiasmo que formaria gerações, nesta visão, o grande tempo das fantasias foi o início dos anos cinquenta. Enquanto alguns acreditam que o pouso na Lua foi o apogeu desta era, outros recuam este pico ao início dos 50 em fantasias ainda mais ousadas. Enquanto muitos teóricos acreditam que o lançamento do Sputinik seja o início oficial da Era Espacial classica, julgo este ponto muito tardio ou falso, não concordo com esta periodizacao, pois, para muitos, o Sputinik já seria o fim de muitas visões da primeira fase das Era Espacial.


José Galisi Filho - Um futuro do passado que nunca foi e não amadureceu o paradigma inicial, que se tornou histórico antes de esgotar suas alternativas.


Alexander Geppert - Sim, mas este entusiasmo não pode mais ser recuperado, a visões e utopias tornam-se, desde então, mais sóbrias e realistas e a crise atual decorre de não sabemos construir um novo paradigma e trabalhamos apenas com as visões visões do passado. Um representante da ESA me confessava recentemente que a crise que vivemos é justamente porque tentamos retrabalhar as visões do passado, pois se fazem novas promessas, enquanto ainda as do passado sequer foram quitadas, e as novas visões também nao são mais viaveis. O pouso na Lua, segundo a maior parte dos críticos, encurralou nosso caminho nas baixas orbitas, que se encerra agora com a Era Schuttle. No antigo paradigma, a idéia de uma estação orbital como posto externo, a superação da gravidade terrestre, depois a Lua e só então Marte eram o “caminho natural”. Mas todas estas etapas foram queimadas com a corrida à Lua, com resistência do próprio von Braun, que, sem alternativas, engajou-se. A Estação Orbital Internacional é uma velha utopia que não excita mais a imaginação de ninguém, pois não se vincula mais a nenhuma destas visões e não há mais recursos financeiros para bancar as velhas promessas remaquiadas. O slogan da Britsh Society “From imagination to reality”

formula este paradoxo das dualidades das visões e trata-se, no grande arco que você traçou, de desficcionalizar estas visões do futuro com os recursos existentes. A Nasa tem seu equivalente deste slogan “From science fiction to science fact”. Mas, no meu ponto de vista, a história mostra que Nasa descartou muito prematuramente todas as cartas decisivas deste paradigama, queimando etapas.




José Galisi Filho - A arte e o cinema sempre foram superfícies de projeção do espaço. Mas este espaço é realmente infinito ou existem fronteiras? Para exemplificar este idéia nada melhor que o clássico de Kubrik 2001. Lá, o espaço é literalmente vazio, frio, silencioso, completamente hostil, no qual aos únicos extraterrestres são os humanos, um traço de realismo radical. Mas do ponto de visto imaginário, este vazio, como limite, aparentemtente não é infinito, pois ele se volta sobre si mesmo.


Alexander Geppert – Acho esta uma questão brilhante e essencial em seu paradoxo. Vocé está ressaltando o duplo conceito de espaço em 2001, físico e mental. A grandiosidade deste filme é que, sim, o espaco é infinito, mas este infinito não pode ser pensado, nenhum pensamento humano suporta esta ideia, este abismo, o astronauta está à beira deste abismo e esta idéia se volta contra ele e, portanto, o "outer space" transforma-se num "inside space", num espaço interior que desencadeia um movimento de regressão que tende ao infinito. Se o espaço físico é infinito, nosso pensamento pode ultrapassá-lo...


José Galisi Filho - Por outro lado, há uma certa banalidade e prosaismo neste futuro em detalhes com um Hotel Hilton, uma ponte aérea entre a Lua e a estacao orbital, algo até familiar.

Alexander Geppert – Que neste aspecto o distingue de um outro como “Solaris”,

em que realemnte não sabemos do que se trata, se aqueles visões turvas são sonho ou realidade, ou ambas ao mesmo tempo. E neste pensamento de fronteiras sempre aparece o antropomorfismo, os alienígenas sao a materialização de nossos sonhos e fantasias, o nosso duplo romântico. E concluiria, se o espaço é realmente infinito, nós nos deparamos com nossas próprias fronteiras mentais. É isto que ocorre no filme.


Fiz recentemente o upload do filme Der Raketenmann, uma reconstrução biográfica de von Braun, do canal ZDF, no youtube, infelizmente sem legendas. Contudo, solicitaria ao leitor assistir, pelo menos, à abertura, aos 5 minutos iniciais, pela bela música e pela sensacional reconstrução da reentrada do primeiro míssel balístico, o A 4, da estratosfera precipitando-se supersonicamente sobre Londres!

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