The technological imagination from the early Romanticism through the historical Avant-Gardes to the Classical Space Age and beyond
sexta-feira, 25 de novembro de 2011
Entrevista com Detlev Claussen e Notas sobre a Estação Americana de Theodor. W. Adorno e Max Horkheimer
Tsunami Islâmico
A Feira do Livro de Frankfurt de 2010 transcorreu sob a sombra da polêmica do ensaio populista islamôfobo de Thilo Sarrazin, ex-integrante do conselho do Banco Central e da cúpula do SPD, “Deutschland schaft sich ab” (“A Alemanha está se desfazendo”), autor também do recente clássico “Deutschland wird immer dümmer” (“A Alemanha está ficando cada vez mais burra”).
A querela encerrou-se com chave de ouro no discurso presidencial, no aniversário/balanço dos 20 anos de Reunificação. Christian Wulff tranqüilizou sua população: “O Islã, assim como o Cristianismo e o Judaísmo, é parte integrante da Alemanha”, para deleite, é claro, do sensacionalista “Bild”, porque a lição de História para 5ª. Série do Presidente não parece ser compartilhada pelos eleitores e pela maioria dos profetas do apocalipse, como o jornalista conservador Udo Ulfkotte, ícone da imprensa paralela na internet, especializado em desmascarar a suposta neutralidade da “Spiegel”, naquilo que denomina a “conspiração do silêncio e da covardia de nosso jornalismo”.
Para Ulfkotte e aquela “maioria silenciosa”, “um Tsunami islâmico vem devastando nosso continente”.
Já faz tempo que o antiislamismo vem ganhando nas democracias ocidentais coesão e consistência como o velho anti-semitismo do século XIX na forma de um imaginário que se amplifica em cada poro da internet à velocidade da luz.
Se a invenção da imprensa teve como resultado a maior caçada e queima de bruxas e hereges de que se tem noticia, na multiplicação de relatos fantasiosos e denúncias anônimas por escrito, a crescente imagem demoníaca do Islã na rede dificilmente mais poderá ser contida.
Se o demagogo Sarrazin resolvesse lançar um partido já em setembro, teria no mínimo 20% do eleitorado.
Mas a diferença desse sentimento na América e na Europa continental é que por aqui o apelo populista se dilui numa sociedade estagnada em seus nichos e com um déficit de modernização cultural, na qual a idéia mesma de mobilidade social desapareceu para sempre do imaginário. Sarrazin põe o dedo naquela fratura exposta do antigo modelo de “capitalismo renano”, vinculando sua derrocada ao novo terrorismo islâmico,
ao colapso demográfico e outras aberrações de próprio punho - consideradas cretinas e de mau gosto até em suas fileiras-, como a genética.
Contudo, uma analise sociológica mais sofisticada, como o trabalho do historiador Paul Nolte (“Riskante Moderne: Deutschland und der neue Kapitalismus”), mostra que ocidentalização vertiginosa da Alemanha ocidental entre os anos cinquenta e setenta não logrou colonizar todos os antigos nichos autoritários, porque simplesmente, em 1968, abriu-se um abismo de gerações que não foi mais preenchido, antes que a modernização cultural chegasse a cabo nesses bolsões, um processo engessado na história pela burocratização de quase todas as esferas da vida cotidiana e barreiras amortizadoras do antigo estado social.
Não surpreende, como conclui Paul Nolte, neste vácuo da desmontagem dos mecanismos reguladores, observar o déficit cultural do antigo “Mitte” (o “Centro” social) na relação com o verdadeiro, este sim, tsunami da externalização econômica e arremata: “Os alemães são analfabetos econômicos da globalização”. Por este mesmo motivo, Ulrich Beck afirmava recentemente que a sociologia alemã distanciara-se tanto da realidade social do país que se condenava à completa irrelevância. Se não bastasse a análise social consistente bater em retirada neste quadro desolador, a “Spiegel” apontava em maio que a coalizão de Angela Merkel, e a paralisia que a sustenta neste intervalo da história, representavam, sem dúvida, a “pior elite política do pós-guerra” da República Federal.
De linha de frente e foco intelectual da Guerra Fria, o debate e as polêmicas alemãs encolheram para o tom acanhado e moralizante da província, num pais para lá de envelhecido, com dificuldades em compatibilizar sua auto-imagem e peso econômico em declínio (perdeu terceiro posto no “ranking” para a China), com seu tamanho real na nova ordem internacional.
Sobra como compensação imaginária o “pathos” retrô de sua mídia ecoando incessantemente o carrossel de documentários nostálgicos sobre a odisséia do milagre e dos anos de ouro do capitalismo como uma ficção e “docutaiment” no “playground” da história virtual, como se o desfecho pudesse ser outro, outra especialidade da chatíssima “Spiegel TV”, ou mesmo do pretensioso franco-alemão, até no nome, “Arte TV”, este, além de entediante, antiamericano ate a medula, no seu assim decantado “olhar europeu” sobre a América.
Um momento irracional de gratidão
Não deixa de ser irônico, pensando justamente de Frankfurt, o disparate entre o prestígio e a recepção internacionais, mas, sobretudo, daquelas tarefas metodológicas que a Teoria Crítica de Adorno e Horkheimer se impuseram nos anos 50, no processo de democratização na análise da personalidade autoritária, depois de seu retorno, e a miséria destas dias da sociologia local.
O que mais surpreendente ainda, como apontava recentemente o historiador e professor de Sociologia da Universidade de Hannover, Detlev Claussen , numa conferência (http://www.univerlag.uni-goettingen.de/ring04/“Intellectual Transfer. Die amerikanische Erfahrung in der Kritischen Theorie”), é aquela “montanha de clichês e incompreensões” que soterrou o verdadeiro valor da experiência americana em ambos, bem como a perigosa mescla do sentimento antiamericano que se cristalizou na recepção nas décadas seguintes, baseada numa ambivalência de origem da relação cultural entre a jovem República Federal com a América. Sob esta “montanha de cliches”, foi se consolidando uma inverdade histórica crassa sobre a “origem social” da nova metodologia, mas, sobretudo, do verdadeiro sentido da crítica cultural em ambos.
Claussen lembra-se, como estudante, das acaloradas discussões com Horkheimer em maio de 1967, em meio à dualidade da admiração de sua geração pelas maravilhas econômicas do milagre, o influxo de juventude que a vistiva de Kennedy a Berlim trouxera, bem como seus novos estilos alternativos de vida e as imagens da guerra do Vietnam.
Confrontado com o atoleiro na Indochina, Horkheimer desabafou: “Senhoras e Senhores, solicito-lhes, por favor, que me concedam certo momento de irracionalidade na gratidão à America”. Para Claussen, ninguém entendeu na época a enorme extensão deste “momento irracional”, uma revelação que o perseguiu em sua carreira acadêmica, na verdade, a chave do momento de ouro da Teoria Critica, sua experiência americana. Claussen enumera caricatamente alguns destes clichês:
Clichê número um: Aqueles professores alemães tiveram que retornar em 1949, pois não podiam e nem tinham chances de se estabelecer metodologicamente na América, ainda mais em alemão com coisas tão complicadas como a dialética e Hegel, o que se desmente pela permanência de Marcuse e Loewenthal, por exemplo. Clichê número dois: O mito da suposta pureza língua alemã em Adorno, que nenhum pobre diabo poderia suportar em inglês e se transformaria na marca do “alemão adorno” e da auto-estilização ritual de seus discípulos.
Clichê número três: A suposta vulgaridade da cultura americana, pois o que poderiam fazer aqueles professores weimarianos tão sofisticados e adestrados nas vanguardas do entre-guerras neste “deserto californiano da cultura à sombra de Hollywood”. Clichê número quatro: Este o coroamente dos outros. A tão propalada saudade, a “Heimweh” de uma “paisagem cultural”, barroca, consistente diante “daquela estepe da falta de cultura” e das artimanhas diabólicas da maquina cultural. E como explicar o fato de eram amigos de um dos mais triunfantes diretores de Hollywood, Fritz Lang.
Num “close reading” da “Minima Moralia” e da “Dialética do Esclarecimento”, argumenta que a oposição entre uma suposta alta cultura teutônica e a americana não só é uma mentira, como inverte completamente a realidade, pois não havia mais nada na Europa além de ruínas, fome e do Exército Vermelho. Em primeiro lugar, aponta o horror de Adorno em relação à qualquer forma de crítica cultural conservadora e elitista, e mesmo a despeito dos “momentos críticos” em relação à cultura massa, prossegue, concordando com o fato de que o ensaio sobre a indústria cultural esteja realmemte superado, o que é uma obviedade 60 anos depois em relação à variedade e qualidade da produção do presente, Claussen conclui que este trabalho de falsificação eternizou-se, sobretudo, na estilização do clichê de “educadores elitistas”.
A razão disto repousa, de fato, naquele ambivalente sentimento alemão de admiração e inferioridade das novas gerações em relação ao influxo modernizador da América, pois, conclui, se Adorno e Horkheimer abandonaram a Alemanha como “intelectuais radicas de esquerda weimarianos, retornaram, como democratas e Aufklärer”.
O fato de que, como se afirmava à época, “os pessimistas estivessem em Nova York e os otimistas nos campos de concentração ou gulags”
significava neste “momento irracional”, ressalta Claussen, que a América não só lhes permitiu existencialmente sobreviver, mas lhes ofereceu uma “plataforma única do futuro social” com o “New Deal”, quando esta superou a Europa cultural e economicamente. O poder de prognóstico da Teoria Critica nasce, portanto, do futuro da América como sociedade global emergente, justamente de seu enraizamento nas mudanças desta sociedade e não da Alemanha, como Adorno reconheceu em 68:
“Nós nos desprovincializamos na América”, como “ponto avançado de observação”, sobretudo de uma nova estrutura universitária, isto é, a força da Teoria Crítica nasce justamente da inadequação de um modelo de crítica cultural conservadora diante da mudança radical e vertiginosa dos fundamentos sociais e sua nova metodologia. O resto é bobagem.
Velha Europa
Nada como uma boa aula de história. Mas, hoje, a velha cultura de esquerda Suhrkamp, o seu “momento de verdade”, sua possibilidade de mudar 1 mm de realidade, na Alemanha de 2010, esta cultura está morta e abaixo da camada de irídio do KT.
Quem sabe construam ainda uma mesquita diante do velho Instituto de Pesquisa Sociais.
Mas, sinceramente, surfando em abstrato naquele sugestivo “tsunami islâmico”, a quem interessa tudo isto? O futuro do passado da Teoria Crítica? Sinto-me com o uma criatura pré-histórica, prisioneiro da Guerra Fria e o ápice de minha vida não ocorreu na Alemanha ou em Frankfurt, mas na minha visita à Disneyworld
no ano do bicentenário da Independência, em 1976, diante do qual este museu se dissipa como a Casa de Usher com a ajuda dos “Ghostbusters”. O que sobrou do projeto social- democrata da “Teoria da Ação Comunicativa”?
Ela foi um obstáculo à carnificina dos Bálcãs, ou foram as bombas americanas e inglesas que puseram um ponto final na querela, já que alguém tem dar conta finalmente da faxina? Com o limbo dessa abstração humanista chamada “Europa”, que pariu ideologias assassinas como a mescla de nacionalismo e marxismo?
Quem está preocupado com o que virá depois do estado social, talvez o Califado, quando estivermos alguns palmos abaixo da superfície? O problema real não é a fantasia de uma Europa ou uma Alemanha demograficamente islâmicas, mas o pesadelo do tédio e irrelevância de seu presente, a autocomplacencia e arrogância da geriontocracia política de plantão, sua falta de imaginação, de juventude que vão dar a pá de cal na sociedade alemã.
A Alemanha vai cometer eutanásia muito antes das profecias de Sarrazin. Pelo menos neste aspecto, devemos a Donald Rumseld uma das categorias mais precisas sobre a atual geopolítica que atinge um nervo histórico fundamental: a “Velha Europa”, e ponha-se velha nisto, seu antiamericanismo visceral, sua ingratidão ao plano Marshall e pelo hiato da era de ouro do capitalismo.
Foi bom enquanto durou. Não deixa de ser saudoso, em retrospecto, pensando no racismo e maus hábitos de Sarkosy caçando ciganos, o curto período da terapia de choque aplicada por Geoge W. Bush aos seus velhos aliados,
pois se a América está também condenada a naufragar, na esteira do dólar que financia seu déficit interno, a “Velha Europa” também vai entrar pelo ralo no seu vácuo, com todas as pompas da retórica de seu passado esclarecido.
Enquanto isto, à sombra da “city” financeira do skyline de Frankfurt, o mundo brutalizado da subocupacao alemã prolonga esta agonia e assiste ao refluxo a relações paternalistas de poder.
Tribunais nos últimos anos humilham trabalhadores na perseguição de delitos de bagatelas, além do que a própria categoria de trabalho desmoralizou-se completamente por aqui. As livrarias são especializadas nestes títulos às dezenas: “O trabalho não compensa”, “Só os burros trabalham”, “Trabalho, nunca mais”. Paga-se para trabalhar na Alemanha.
Os alemães se vêem como prisioneiros de uma sociedade tecnocrática, sem nenhum debate substancial ou contraditório. Cinco anos depois do “Hartz IV”, a maior reforma social do pós-guerra, o país transformou-se numa gigantesca escola do fracasso humano, além de piorar, a cada dia, um dos sistemas educacionais mais injustos do mundo.
Segundo Robert Kurz, a Alemanha assumiu em definitivo, desde 2009, a ponta da subocupacao na Europa e sua peculiaridade como país é que, embora precise desesperadamente de mão de obra estrangeira qualificada, justamente programadores para manter seus conglomerados financeiros aqui em Frankfurt, não existe nenhuma possibilidade política de ela se assumir como tal. Se o decantado conceito de classe social já desaparecera como contraditório do horizonte histórico na época do crescimento, na anomia de hoje emerge em seu lugar a nova categoria do “Prekariat”, pessoas precárias, a inteligência acadêmica degradada e “africanizada” (Robert kurz) e, como Hannah Arendt nasceu a 100 metros de minha casa em Hannover, aquele tipo social Boer ressentido, oprimeiro branco Ocidental tratado no mesmo nível dos negros nos campos de concentração britânicos no Transvaal.
A casa de Hannah Arendt fica num dos maiores focos de pobreza da cidade, ponto de drogas, embriagados, justamente em frente ao Departamento Social na Lindener Marktplatz, onde a miséria sem nome de 13% da população faz fila pela ração diária.
Certamente, não ha comparação entre a Alemanha de Merkel e a apatia bovina de sua população, e a Franca racista de Sarkozy, nas quais os guetos têm uma virulência e dinâmica próprias, mas a oposição ainda é viva e cada boi atende por seu nome. Não há palavra ou discurso político para definir pobreza na Alemanha. Os especialistas são unânimes em admitir que essa anomia não tem “nenhum canal direto” de expressão partidária.
Acho uma grande pena, também, que a entrevista abaixo, realizada em outubro de 1999, durante a polêmica entre Habermas e Sloterdijk nunca houvesse sido publicada pelo antigo JB, que sequer existe mais. Na recuperação de meu material e do backup que venho realizando já faz cinco meses, disponibilizo este material que talvez tenha alguma utilidade para aqueles que ainda se ocupam da Teoria Crítica no Brasil, ou em algum recanto do universo, ou galáxia remota em que se fale português, como se fosse um Chevrolet 58 novinho em folha.
No meu site Urânia, que logo logo somente irá veicular material Astrofísica, o tempo não passa, como na velocidade da luz. Aqui não tem ontem, anteontem ou amanhã. Acho este anacronismo uma licença poética da natureza. Nossa perecepção e consciência não conseguem compreender, por exemplo, que para a CMBR, a radição fossíl que se segue à inflação, não se passou nenhum segundo, enquanto para nós já existem 14 bilhões de anos-luz do horizonte de visibilidade. De qualquer maneira, Detlev Claussen foi, é e sempre será um dos mais brilhantes especialistas em Theodor Adorno e tenho um enorme orgulho de tê-lo conhecido nesta vida e era geológica, mesmo que já estivesse naquela época exorcizando em mim todos os fantasmas da velha Teoria Crítica e me recolhendo, como um velho velociráptor ao túmulo abaixo da camada de irídio. O Instituto de Hannover fora fundado por egressos do antigo Instituto de Pesquisa Social em Frankfurt em meados dos sessenta, entre os quais Oskar Negt, também aluno de Adorno, amigo e conselheiro do ex-Chanceler Gehard Schröder. As ilustrações a seguir são minha homenagem mais profunda, carinhosa e sincera a tudo que aprendi ao longo da vida com a Teoria Crítica.
O que é verdadeiro e o que é falso na polêmica em torno de Sloterdijk? O que foi superado e o que ainda resiste como o núcleo de verdade da Teoria Crítica? O mandarinato de Jürgen Habermas teria acabado?
Detlev Claussen - Esta pergunta, na verdade, deve ser respondida em três etapas distintas. Comecemos, então, com a primeira. Os debates nos folhetins e nos programas culturais televisivos na Alemanha nos últimos quinze anos caracterizam-se, particularmente, pelo peso regulador central do passado e dizem respeito à auto-compreensão e à identidade da República Federal. Podemos dizer que este ciclo de debates, que começou em meados dos anos oitenta, teve como marco inaugural a “Polêmica dos Historiadores” (“Historikerstreit”). Não se tratava naquele momento de distingüir o “certo” do “errado”, mas justamente de definir a posição da República Federal diante de seu passado e de uma necessidade de “Esclarecimento”, em sentido amplo, pois geralmente no contexto destas polêmicas pensa-se apenas em distinguir o certo do errado, mas não é assim. Em todos os debates na Alemanha esta questão sempre está presente: quando se trata do passado, o debate acaba assumindo uma função legitimadora diante do presente, ou, poderíamos dizer ex-negativo, como aquela Alemanha do nacional-socialismo, que há cinquenta anos ameaçava o mundo, distingue-se desta Alemanha, membro das Nações Unidas, signatária da Declaração Universal dos Direitos Humanos e membro da Nato. Este é apenas um dos aspectos dos debates para a auto-compreensão da Republica Federal Um outro aspecto desta questão é que existe uma forte corrente na Alemanha que acredita que se deva dar um basta definitivo à questão do passado, que esta pauta deve ser encerrada para sempre e que, na verdade, ela é sempre utilizada com o intuito de enfraquecer a posição da Alemanha e diminuí-la diante do mundo.
Trata-se, então, portanto daquela "produção permanente de inimigos do Estado ou de imagens inimigas", nas palavras de Heiner Mueller, justamente agora que o Império do Mal e o socialismo não existem mais, para manter o aparelho folhetinesco em movimento?
Detlev Claussen - Sim, em parte, acho que isto está ocorrendo. Pelo menos são sempre discussões da mídia. Há tempos atrás era muito pior: os inimigos de Estado eram caçados na rua.
Desde que a revista “Focus” (especie de “Isto É” concorrente da “Veja” ) apareceu há sete anos, puxando para baixo o nível da “Der Spiegel”, houve também uma verdadeira revolução na mídia alema para atingir o nivel mais baixo, o que tinha a ver também com o esvaziamento da esfera cultural dos últimos anos da coolizão de Kohl.
Detlev Claussen - Voce tem inteiramente razão nesta questão da queda nível. Se quiseremos entender a mídia, perceberemos, então, que no debate de Sloderjik está havendo a desmontagem dos mecanismos mistificatórios do jornal, neste caso, do “Die Zeit”,
ironicamente, trata-se da desmontagem de um jornal sério. O “Die Zeit” é uma verdadeira instituição na Alemanha já ha quarenta anos, e perceba, trata-se de um jornal fundamental para a compreensão da classe média alemã agonizante, o “Novo Centro”, propagado pelo coalizão que levou Schröder ao poder. Ele era um jornal bastante conservador na década de cinqüenta, depois mudou radicalmente com a virada de mentalidade deste centro pela revolução no sistema educacional nos anos sessenta, quando então ele passa a se compreender como um jornal de centro-esquerda de tendência neoliberal.
Todas estas tipificações estão desaparecendo agora. Vamos fazer um trocadilho, espero que voce consiga traduzi-lo em português: as pessoas não têm mais tempo (“Zeit”) de ler “O Tempo” (“Die Zeit”). Eu mesmo não tenho tempo de ler o “Die Zeit”, e com esta mesma ironia, diria que este jornal enorme com textos enormes, mais parece um deserto cinzento de letras muito pequenas, onde a opinião de poucos autores tenta ser esclarecida em muitas páginas. Isto acabou, esse também é um escandalo do jornal “Die Zeit”, no sentido da perda de tempo que a polêmica implica, do tempo vital que esta polêmica está nos tomando para discussões reais. Em princípio, esta polêmica jamais teria partido de uma editoria de política de qualquer jornal alemão. O discurso de Sloterdijk foi um típico discurso como centenas de outros que acontecem todos os dias nas dezenas de Colóquios que se proliferam na Alemanha, com um tom provocatório, é claro, mas nele não foi dito nada de importante, trata-se de um discurso, em principio, desinteressante.
Mas o que Sloterdijk declara sobre Habermas não é desinteressante, a estridência do tom: Habermas seria um “jacobino”, protagonista de uma campanha de terror contra a sua pessoa, espalhando boatos sem procurar discutir com ele diretamente, de acordo com as regras da “Teoria da Ação Comunicativa”.
Detlev Claussen - Isto é uma tremenda besteira de Sloterdijk. É evidente que o discurso, seja ele qual for, é sempre sobre "alguém". Além disso, Habermas não tem absolutamente nada que discutir com Sloterdijk. Trata-se de uma asneira afirmar que, apenas porque alguém o criticou, a Teoria Crítica esteja morta na pessoa de Habermas. Isto é um absurdo, é um escândalo lógico, mas se trata, neste caso, de algo completamente diferente e tentarei ainda chegar a esta questão. Por um lado, existe na Alemanha uma imensa insatisfação no status quo intelectual que acaba sendo canalizada para a mídia. Isto tem a ver também com as modificações que ocorreram na Alemanha nos ultimos dez anos na esfera pública. Estas mudanças ocorreram à revelia da posição e do papel dos intelectuais diante da midia. Aconteceu outra coisa na verdade: a vida politica é determinada por outras regras que não as regras dos folhetins, ou seja, os folhetins são alimentados por grandes debates e grandes escândalos, enquanto a vida política, na verdade, não se pauta por esta medida. Isto tem a ver com aquilo que eu abordava inicialmente a respeito da “Polêmica dos Historiadores”.
Esta polêmica foi desencadeada, porque havia um grupo de intelectuais de penetração na mídia, ou que buscavam na época um papel na mídia e se sentiam frustrados pela dissolução da coalizão liberal por um regime de direita como o de Kohl. Eles desejavam aquilo que, à época, propagava-se como uma “mudança espiritual moral”, já, na própria expressão, uma idéia abominável. E isto, na verdade, era o que aquele governo não queria de forma alguma, pois não tinha nada a ver com seu estofo intelectual. Este processo era paralelo também à nova orientação da revolução conservadora nos EUA àquela epoca com a “Reganomics”. Mas a classe média Alemanha, também, não desejava uma mudança radical e, sim, uma acomodação a este processo, como esta revolução conservadora já apontava no epílogo da Guerra Fria. E agora trata-se exatamente de uma constelação contrária: com a mudanca de governo para uma coalização de centro-esquerda, estes intelectuais desejam uma mudanca radical e não mais uma acomodação como antes, o que leva necessariamente a uma enorme insatisfação, pois o resultado da poltica deste governo é irrelevante diante das promessas de campanha e das mudanças estruturais esperadas.
As expectativas do eleitorado são sempre maiores que as personagens políticas podem realizar. Por outro lado, depois do fim da Guerra Fria, os assuntos intelectuais dos folhetins tornaram-se um tédio absoluto, não interessam a mais ninguém, pois as pessoas se interessam pelos problemas do presente e não por disputas ideológicas. Daí a necessidade de “escândalos” fabricados a fim de que as pessoas voltem novamente a se interessar por estes folhetins, senão, como afirmei, é absolutamente tedioso folheá-los, pois o comunismo morreu há muito tempo, e ninguém neste mundo mais agüenta ler pela enésima vez por que o comunismo fracassou.Chances reduzidas para Vigo conseguir o "greencard"
Mas esta universidade das assim chamadas "Humanidades" também se tornou absolutamente desinteressante. Como o Sr. afirmou no último Colóquio Internacional sobre o Passado o Presente da Teoria Crítica realizado aqui em Hannover, esta terminologia frankfurtiana já pertence a "qualquer conversa de botequim". Sloterdijk é um forasteiro diante da máquina universitária e por isso se veja no direito de declarar Habermas um cadáver acadêmico. Não só a Teoria Crítica teria morrido como "ideologia acadêmica", mas a própria universidade em suas Humanidades tradicionais.
Detlev Claussen - Isto não ele não disse. Temos que deixar claro do que estamos falando. Veja bem, em primeiro lugar, que isto fique bem claro, nós estamos falando da Teoria Crítica, que é um objeto, uma vertente teórica complexa de varias tendências; segundo, Habermas é uma pessoa. Habermas tem uma relação muito complicada com a Teoria Crítica, mas Jürgen Habermas não é a Teoria Crítica! Erro número um de Sloterdijk.
Terceiro, quando pensamos no que de fato a Teoria Crítica significa para a República Federal da Alemanha, acredita-se, muitas vezes que ela seja teoria dominante da esfera pública, o que é absurdo, isto nunca aconteceu! Habermas desempenhou na esfera pública nos últimos vintes anos um grande papel, mas isto é uma coisa completamente distinta do que seja a Teoria Crítica. A maioria das pessoas identifica a Teoria Crítica com a Escola de Frankfurt, o Instituto de Pesquisa Social e Jürgen Habermas. Isto não é verdade, trata-se de uma simplicação grosseira. A Teoria Crítica foi fundada por Adorno, Horkheimer, Marcuse, Pollock nos anos anos vinte, suas formulações ganham corpo nos anos trinta, mas seu peso decisivo manifesta-se apenas nos anos quarenta.
Neste processo, ela foi definindo seus objetos específicos e seu campo interdisciplinar e ganhando uma autonomia de seus protagonistas originais. Deveria estar claro a Sloterdjik que Adorno já morreu há trinta anos. Os fundadores da Teoria Crítica estão mortos há muito tempo, isto é verdade, mas aqueles que se ocupam dela ainda hoje não estão e seu conteúdo modificado não está morto, pelo contrário, releva uma atualidade espantosa. O que é central para definir a Teoria Crítica?
A Teoria Crítica foi a primeira teoria que pensou o que de fato Auschwitz significa para a História Mundial, ela foi a primeira a formular Auschwitz como catástrofe civilizatória nos anos quarenta. Também é um elemento constitutivo para a Teoria Crítica, o que muitos críticos ignoram, o desenvolvimento do socialismo na URSS e sua bancarrota. Ela se denomina “Teoria Critica” em oposição à vulgata marxista estalinista. Este grande nivelamento da literatura em expressões como “Marxismo Ocidental” não confere com a realidade. Ela constitui seus objetos próprios. Em terceiro lugar, o que parece ter permanecido sempre à margem naqueles que se ocuparam com ela e com o qual Habermas também se ocupou: o que estas duas catástrofes civilizatórias, Auschwitz e o goulag sovietico significaram para o Terceiro Mundo nos anos sessenta. Geralmente ninguém estabelece este parentesco, mas este foi um elemento essencial na época, senão o Instituto não teria convido Witzvogel, que se ocupava com a China para participarde suas pesquisas. Geralmente se afirma que a Teoria Crítica é eurocentrica, mas ela também procurava entender no conjunto do sistema do Capital, por que se desenvolveram processos revolucionários em sociedades que não realizaram uma modernização burguesa.
A teoria de Marx era uma Teoria Crítica da sociedade burguesa e não de uma sociedade pré-burguesa como a Rússia czarista.
Este complexo de catástrofes do assim chamado progresso burguês e da modernização são o objeto da Teoria Crítica e implicam diretamente o Terceiro Mundo. Estes problemas são atuais ainda hoje e mantem sua relevancia. Agora temos o segundo Ponto. Quem é Jurgen Habermas. Habermas chegou a Frankfurt nos anos cinquenta e foi durante um tempo assistente do Instituto de Pesquisa Social. Então Habermas desenvolveu uma reflexão diferenciada e houve uma conhecida ruptura com Horkheimer. Habermas deixa Frankfurt e somente retornará mais tarde como professor com Adorno. Eu estudei nesta época em Frankfurt. No início dos setenta, Habermas sai de Frankfurt e se instala perto de Munique e lá desenvolvera uma teoria própria a Teoria da Ação Comunicativa. Quando comparamos o conteúdo da Teoria da Ação Comunicativa com o da Teoria Crítica, elas se diferenciam em traços essenciais. Pode-se dizer, paradoxalmente, que Habermas fez carreira alardeando justamente a tese que Sloterdjik hoje defende, a saber, que a Teoria Crítica esteja morta. Viva a Teoria da Ação Comunicativa! Podemos tomar como exemplo o prefácio de Habermas de 1982 à “Dialética do Esclarecimento”, o texto central da Teoria Crítica, onde ele afirma que este aquele é um livro completamente superado ao manter o acento negro da modernidade que impregnava os anos quarenta. A Teoria da Ação Comunicativa parte do presuposto de que a Teoria Crítica esteja morta e superada. Mas a Teoria da Ação Comunicativa é uma outra teoria completamente distinta que não tem nada a ver com a Teoria Crítica para “superá-la”. Então Habermas retorna mais uma vez a Frankfurt nos oitenta e aí se estabelece finalmente esta simplificação de que ele seja o “herdeiro” da Teoria Crítica, não obstante Adorno já estivese morto há mais de dez anos. Esta identificação entre Teoria Crítica e a pessoa de Habermas e aquilo que se fazia em Frankfurt passa então a ser um clichê internacional, mas de fato, são três processos distintos. O Instituto de Pesquisa Social havia sido criado há setenta e cinco anos como um Instituto semi-privado. Por quê? Este detalhe é extremamente importante. Ele somente poderia ser fundado fora da tradição academica alemã. Somente poderia ser financiado com capital privado.
Com capital de um empresário argentino.
Perfeito, de um empresário radicado em Buenos Aires, isto foi muito importante e o Estado prussiano de Hessen ficou muito feliz, pois naquele época os alemães não tinham dinheiro, o Estado era muito pobre e lá estavam dois professores à disposição. Daí surgiu também um compromisso, mas isto significa também que nos anos vinte o Instituto de Pesquisa Social estava à margem da Universidade e não no centro, o que determinaria o estatuto conceitual de seus participantes: um pensamento que vem da margem para o centro. Nos anos trinta, o Instituto será transferido numa complicada operação triangular entre Berna e Paris para Nova Iorque. Ele será recriado novamente nos anos cinqüenta na Alemanha sob uma constelação favorável do governo de Hessen, que apoiou este processo para trazer de volta à Alemanha as forças acadêmicas anti-fascistas no exilio. As pessoas geralmente silenciam sobre isto e se esquecem de um fato capital: a universidade alemã da República de Weimar era extremamente autoritária e Frankfurt era um caso especial em função de suas tradições liberais. As universidades eram altamente reacionárias e se inclinaram rapidamente para o nacional-socialismo. Um dos primeiros prédios a serem ocupados pelos estudantes nazistas depois da tomada do poder em 1933 foi o do Instituto. O Instituto era a “cidadela vermelha”. A história da universidade alemã neste seculo é também a história de uma grande miséria intelectual. As universidades eram, de fato, o ninho da reação. Se hoje sempre identificamos a universidade ao campo da esquerda, é preciso se lembrar de que esta mudança de eixo processou-se apenas durante os sessenta, quando o sistema de ensino foi inteiramente reformulado. Mas mesmo assim a Teoria Critica permanecia também à margem na paisagem universitária alemã depois de seu retorno do exílio. Precisamos isto deixar claro. Nos anos cinquenta, os politicos de Hessen procuravam trazer de volta estes imigrantes, porque na universidade alemã não havia um potencial antifascista para alavancar a instituição. Desta forma, Adorno e Horkheimer retornaram à Alemanha para reconstruir o Instituto. Mas se por um lado o Instituto durante o período em que eles estiveram em sua direção foi modelado na figura de suas personalidades, por outro, ele estava também integrado a uma universidade e seus mecanismos de recrurtação. Neste processo constitutivo, institucional ele se converte também no departamento de uma universidade. Mas retornando ao pontode origem: esta indiferenciação presente na opinião publica entre Instituto de Pesquisa Social, Escola de Frankfurt, Teoria Critíca e Jürgen Habermas não é verdadeira, são quatro instâncias completamente distintas.
A denominação Escola de Frankfurt é uma designação que vem de fora. Horkheimer e Adorno nunca quiseram constituir uma escola de pensamento, mas um núcleo interdisciplinar de debates sociológicos, atuante como na “Disputa do positivismo” no início dos sessenta. A “Disputa do Positivismo” tratava do papel da metodologia na pesquisa social e da lá se originou uma escola de pesquisa social como a de Colônia, que, então, para se diferenciar do núcleo de Frankfurt, denomina-a de Escola de Frankfurt. Nunca houve, portanto, a assim chamada “Escola de Frankfurt”. Quando falamos sobre uma teoria, quando falamos a sério sobre estas coisas, temos de falar dos objetos materiais de uma teoria, e não de um teatro pessoal e tampouco da pessoa Jürgen Habermas. A Teoria Crítica não é algo acabado, uma doutrina, mas uma tarefa do pensamento, portanto, esta frase bombástica “a Teoria Crítica está morta” é complemente idiota. O que Sloterdijk faz , bem com a resposta de Habermas é um jogo pessoal para a midia: “Estou aqui e voce deve falar comigo”, mas para quem se interesse seriamente por problemas teóricos e pretende ainda manter uma atitude de cientista social trata-se sempre de objetos e não de pessoas. Talvez pareça pouco habitual o que vou afirmar:
Habermas e Sloterdjik assemelham-se bastante ao superestimar o valor da teoria para os processos sociais. Em princípio, o que Sloterdijk fez foi tentar provocar Habermas, pois ele pretende assumir o papel de Habermas, e o pior e menos sério no episódio é a participação de um jornal como o “Die Zeit”. Este é o lado aborrecido desta história. Há quatro semanas atrás, quem quisesse saber o que estava acontecendo no mercado editorial na Alemanha teria até dificuldades em soletrar o nome de Sloterdijk, pois o seu último livro “Esferas 1” estava encalhado. Ninguém consegue ler um livro intragável como este, não sei se você o leu, mas é um amontoado de pensamentos confusos de segunda mão que se pretende passar por filosofia. Isto não podemos censurar em Habermas: uma teoria séria não pode ser desacreditada por este baixo nível. Mas aqui se trata de outra coisa, do papel de Habermas na República Federal. Na Teoria Crítica original, é um momento constitutivo reconhecer o conteúdo de verdade temporal dos objetos, isto é, a tarefa programática de compreender o tempo, a mudança do Espírito do Tempo para criticá-lo e não idolatrá-lo como Hegel. Mas com a “Critica”, com esta teoria não podemos chegar ao “mainstream” do Espírito do Tempo. Algo inteiramente outro ocorre na Teoria da Ação Comunicativa. A estratégia da Teoria da Ação Comunicativa era se atrelar ao mercado acadêmico mundial e nele sobreviver. Um ponto essencial desta acoplagem foi o assim chamado “lingustic turn”. Porém, quando eu realizo o “linguistic turn”, sou obrigado então a declarar a Teoria Crítica como morta e acabada: a dialética, a filosofia da consciência são besteiras do passado, conceitos fora de moda!. Não existe Teoria Crítica sem dialética do esclarecimento. Este é o ponto essencial. Habermas liqüidou materialmente a Teoria Crítica com sua Teoria da Ação Comunicativa através do “linguistic turn”. Somente podemos tocar a Teoria Crítica como algo vivo quando consideramos que o “linguistc turn” é apenas conjuntura da ciência mundial, mas não a sua última palavra. Pode haver um pensamento além deste “lingustic turn” que seja significativo. Nem todos devem ser obrigados a participar desta guinada. Este é um ponto de vista importante, somente então podemos continuar a Teoria Crítica. Teoria Crítica com “linguistic turn” é a Teoria da Ação Comunicativa com outras teorias. Mas este não e todo Jürgen Habermas. Este é apenas a metade. O primeiro é o Jürgen Habermas cientista, o filósofo que quer constituir uma escola do pensamento como a Teoria da Ação Comunicativa. Adorno e Horkheimer não queriam constituir qualquer escola, não desejevam mais ser filósofos no sentido tradicional, pois, frisemos bem este detalhe, a experiência social concreta desempenha um papel decisivo na Teoria Crítica. Na teoria de Habermas a experiência social desempenha um papel marginal. Trata-se de uma diferenca enorme. Portanto, Habermas tem de afirmar que a “Dialética do Esclarecimento” está impregnada do horizonte espiritual de Auschwitz e do goulag, que hoje não teria mais qualquer significado, pois temos de olhar para o futuro. É um diferenca gigantesca. Ele é um outro tipo de intelectual que Horkheimer e Adorno. Por um lado, temos o cientista sério no “mainstream” do “linguistc turn” e, de outro lado um intelectual político na esfera publica que assume permanentemente posições. E isto foi incialmente algo novo na Alemanha, relativamente novo, pois desde os anos vinte tínhamos a tradição dos cientistas intelectuais apolíticos que davam sustentação ao sistema na República de Weimar, no Nazismo e depois na RDA, intelectuais apolíticos. Habermas quebrou esta tradição e pagou um preço bem alto por isso. Ele impregnou seu pensamento filosófico por conteúdos políticos, aparecendo sempre na esfera pública com esta ambigüidade do político e do filósofo de modo contrário a Horkheimer e Adorno. Estes sempre apareciam com uma unica posição, em outras palavras, a Teoria Crítica, ja era uma posição política. A Teoria da Ação Comunicativa pretende-se cientifica, enquanto que a velha Teoria Critca não é ciencia, ela se orienta criticamente em direção à ciencia,mas ela é “crítica” (“Kritik”). Nem tudo que a comunidade científica reputa como bom a Teoria Crítica pode aceitar, mas antes criticar, pois ela pretende justamente refletir sobre o papel da ciencia na sociedade. Isto leva a uma mudanca de “mainstream” e faz da Teoria Critica um “outsider”. Esta guinada colocaria Habermas então no “mainstream” com sua Teoria da Ação Comunicativa. Politicamente, Habermas sempre apareceu diante da opinião publica como um intelectual engajado. Talvez devêssemos traduzir para um público brasieiro o que significa “intelectual apolitico” na Alemanha: publicamente apolítico, mas no campo privado um bom conservador. Este papel caía como uma mão na luva durante a Guerra Fria. Desta maneira, Habermas aparece ambiguamente como uma figura de esquerda, teoricamente pertencente ao “mainstream” teórico, politicamente engajado. Esta é a situação complexa da figura ambígua de Habermas. Mas agora temos um outro ponto. Habermas sempre compareceu ao debate como um crítico das tradições alemas e daí decorre sua função e desta forma, ele articularia a crítica daquilo que na Republica Federal nos anos sessenta era a rápida modernização ou a americanização da República Federal, que marginalizava as tradições alemãs. A República Federal a Alemanha não era mais tão alemã quanto se pretendia. Em muitos aspectos, ela teria se americanizado. Mas estas são apenas palavras para um processo que não e outra coisa senão a modernização.Quando consideramos a questão do ponto de vista teórico, temos de entender que a modernização seria o desatrelamento da República Federal de suas tradições autoritárias, o que não é um milgare mundial, não significa apenas uma mudança de atitude intelectual, mas é um procersso decorrente de mudanças profundas no sistema social do “Welfare State” e da universalização do consumo que dissolve as distinções de tradicionais de classe social.
Mas as figuras clássicas de uma crítica cultural conservadora retornam mais uma vez como um fantasma em vários intelectuais de peso, à direita ou à esquerda Este consenso crítico teria acabado.
Detlev Claussen - Não, esta idéia do “consenso” também é uma idéia de Habermas, este consenso nunca existitu. Vamos deixar isto bem claro. Adorno e Horkheimer eram muitos conhecidos na Alemanha, mas sempre foram até sua morte “outsiders”. Até hoje a maioria das pesoas não entendeu o que significa a frase “escrever poesia depois de Auschwitz é barbarie”.Ela é sempre citada da maneira incorrreta. Até hoje as pessoas protestam contra esta frase porque eles não a entenderam em absoluto o que foi dito.
Os mais novos riem deste “pathos” retórico de Adorno, o que se articula com ele hoje?
Detlev Claussen - Se riem e porque talvez não tenham entendido nada. As pessoas não sabem sequer do que ele trata muitas vezes, esta dificuldade estilística é chave em Adorno. Se riem é porque não entenderam sequer do que se trata. Na minha opinião isto não pode ser uma questão geracional. Fiz muito seminários sobre esta temática, e não faço para meus alunos da Teoria Critica uma doutrina. Procuro chegar à coisa mesma.
Há dois momentos chaves e bem distintos da recepção da Teoria Crítica no Brasil. Há um momento inicial mais impregando por Marcuse no final dos sessenta e início dos setenta, que poderíamos até chamar de contracultural e haverá um outro momento benjaminiano nos anos oitenta, em que Benjamin explode como best seller acadêmico e passa a ser lido como uma espécie de santo doméstico de uma história da catástrofe da qual somos o testemunho. Benjamin passa a ser a confirmação da nossa barbárie local, do fracasso e da chave de um “outra história” que tem muito a ver com o messianismo sebastianista e católico de nossa tradição. Especialmente com a “Dialética do Esclarecimento” e Adorno esta idéia de uma confirmação na barbárie leva a uma leitura anacrônica do livro, anacronismo que se inscreve como uma dimensao estrutural da obra, mas aqui trata se de um leitura anacrônica como se ele fosse a descrição do presente. Kogève leu a as figuras da “Fenomenoligia” de Hegel como uma confirmação do presente. Como é possível lê-lo sem aqueles pressupostos que o motivaram? Na propria RDA o livro teve um papel geracional decisivo como uma chave de compreensão do colapso do socialismo, um processo de secularização intelectual.
Detlev Claussen - Toda recepção verdadeira começa por uma falsificação e modificação qualitativa de seu objeto.Quando li a “Dialética do Esclarecimento” em 1966, fiquei absolutamente fascinado como ela podia me descrever como se pode chegar a esta escala de catástrofes, mas para compreender estas catástrofes é preciso o trabalho de gerações. Há trinta anos trabalho no sentido de entender estas catástrofes que estão pressupostas na “Dialética do Esclarecimento” e o que elas de fato significam. As pessoas podem até dizer que ela não tenha mais nada a ver com nosso presente, mas trata-se de uma avaliação muito superficial. Temos de olhar com muita clareza e atenção a estrutura do livro, pois na “Dialética do Esclarecimento” não aparecem diretamente os elementos que são os seus verdadeiros pressupostos.
Eles não estão lá. Trata-se de “fragmentos filosóficos”, isto é, fragmentos de um todo que não é dado, e este conjunto tem de ser investigado ja que ele não é e nem pode ser completamente desenvolvido no livro, mas temos de ter uma consciência deste conjunto. Quem lê a “Dialética do Esclarecimento e não tem em vista precisamente que se passava nos anos vinte e não apenas na Europa, mas também nos Terceiro Mundo, não entende o que ela significa, e pode pensar talvez que seus autores sejam mal humorados. Tenho aqui em minha mao um livro fino de 260 paginas que me traz fragmentos do pensamento sobre catástrofes que não caberiam em 10.000, 100.000 páginas, temos apenas fragementos dela. Foi apenas entao que compreendi este livro tão belo e bem escrito, como um desafio ao trabalho, não como um receituario de sabedoria, um desafio ao trabalho. Lá está a questao: por que eu sinto estas coisas como catástrofes e quanto de realidade esta descrição pode me devolver. Aquele que compreende a realidade brasileira do presente como uma parte destas catástrofes mundiais do Capital, mas também como fragmento de um outro, este compreendeu o livro de fato. Ironicamente a este livro da modernidade foi escrito num dos lugares mais bonitos do mundo, sena costa dourada californiana. Naquela paisagem banhada pelo Sol, o Sol da racionalidade se insinue a suposição de que o mundo pode ser belo como o paraiso terreno, mas neste paraíso se esconde o próprio inferno, sob cuja superficie desenvolvem-se catástrofes inomináveis.
Então consigo recuperar este todo ao qual ela alude através do trabalho conceitual de mediação, isto e, não posso identificar tudo como um catástrofe. Adorno e Horkheimer não dizem isto. Preciso olhar o conjunto e suas fissuras. Precisamos de quarenta ou trinta anos para compreender o que estas catástrofes realmente significam. No anos cinquenta as pessoas ainda não haviam compreendido o exato siginficado e a dimensao de Auschwitz , não poque eles fossem caracteres fracos, mas porque é quase impossível entender de fato a real dimensao de Auschwitz. Naturalmente há uma diferença entre a situação de 1940 na Califórnia e a nossa.
Mas temos, no entando, que pegar este mosaico e ler através dele esta diferença. Não podemos entender a lógica hegeliana sem a Revolução Francesa, e cintando o exemplo de Kogève que você mencionou, existem diferenças essenciais entre a situação de Senhor e Escravo na “Fenomenologia do Espirito” e aquele que Franz Fanon descreve em “ Os Condenados da Terra”, como há diferença entre Mocambique e a Argélia. Para que realizemos esta dialética, temos também de errar. Sim, acho problemático quando as pessoas lêem algo como uma descrição ou “confirmação” do presente. De onde vem a falsa aparência para que eu me reconheça novamente neste processo? Existem por um lado conexões reais e existe uma diferença. Quando tenho ambas, somente então compreendi a diferença.
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