terça-feira, 19 de julho de 2011

Entrevista com Richard Rhodes (Isto É, 26.03.2011)


O 11/09 marcou uma virada filosófica e existencial na política externa dos Estados Unidos, segundo Henry Kissinger.

A clássica “deterrence” da Guerra Fria não se aplica a grupos subnacionais como a Al Qaeda, sem território, ou cidades para defender. De que maneira o Sr. vê a ameça do novo terrorismo internacional motivar uma nova corrida armamentista nuclear?

Richard Rhodes – No que diz respeito às armas nucleares, estamos falando de uma mudança numa situação fundamental, a saber, neste sentido importante que você acabou de mencionar de que grupos subnacionais como Al Qaeda, entre outros, não tenham territórios, uma população para defender e que, eventualmente, venham a ter acesso ao poder incomensurárel de material enriquecido, virtualmente até de armas nucleares com designs mais rudimentares, sem que possam, nesta, assim chamada, relação “assimétrica”, serem retaliados, isto é novo e inaceitável. Para os Estados Unidos e outras potências nucleares, ou outras nações-estado, isto representa uma nova ameaça existencial.

Que os Estados Unidos tenham respondido ao 11/09 atacando um país que não tinha absolutamente nada a ver, atirando às cegas, o que é absolutamente fascinante no meu ponto de vista, não havia exatamente nenhum lugar em que pudéssemos atingir o inimigo. Até tentamos fazer algo no Afeganistão, mas a administração Bush, e independentemente do que se pense sobre ela, que ela tenha fingido para si mesma, para os nossos aliados e o resto do mundo que o Iraque fosse o país responsável pelo 11/09, se não diretamente pelo ataque, mas pelo “clima” espiritual geral que o motivou e operacionalizou, sim, alguma coisa mudou nesta resposta crassamente equivocada ao ataque, pois o resultado foi justamente o contrário: abrir as portas e fortalecer a ação destes grupos no caos que se seguiu à invasão do Iraque, o que significaria que estamos hoje, talvez, diante de uma situação muito pior que a anterior. Mas o ponto fundamental é que os Estados Unidos nem outro país estão seguros enquanto dispuserem de um arsenal nuclear, se é que um dia estiveram, com base na ameça, pois esta não representa, em si, nenhuma segurança, exatamente o contrário, mas nem esta lição foi entendida depois do 11/09.

O Sr. enfatizava recentemente uma avaliação do ex-embaixador e teórico estratétigico George Kennan,

de meados dos oitenta, falando que a verdadeira herança da Guerra Fria foi a “militarização do nosso pensamento e estilo de vida”, uma armadilha mental da qual não nos libertaríamos tão cedo. O 11/09 expôs e aprofundou esta ferida. Um dos legados principais dos anos Bush foi a organização deste medo e vulnerabilidade há huito enraizados no coração da América, sobretudo agora diante de seu declínio. Mas será que Bush teria, de fato, tratado melhor a segunda Guerra do Iraque do que Truman a da Coréia, onde esta lógica nasceu, e talvez venha a ser num futuro muito remoto reabilitado com um novo veredicto historico, como Truman o foi depois de décadas.

Richard Rhodes - Não, realmente não, exatamente o contrário. Bush não entendeu a lição da Guerra da Coréia, pois a lição desta guerra é que num mundo nuclear é impossível ter uma vitória clara, pois o inimigo é, ou um pequeno país do Terceiro Mundo como a Coréia ou o Vietnã do Norte, ou, no caso da ex-União Sovietíca, o Afeganistão, países clientes em guerras de delegação (“proxies”), e o emprego de armas nucleares implicaria, nesta lógica, uma escalação até o confronto direto com outras potências nucleares e, por este motivo, ambas as superpotências não poderiam perseguir seus objetivos até uma vitória total.

E certamente o negociador do Vietnã do Norte nas Conferências de Paz em Paris disse isto diretamente a Henry Kissinger, que estava do outro lado da mesa: “Nós sabiamos que poderíamos vencer, pois vocês não ousariam empregar armas nucleares e, portanto, nestas circunstâncias, nossas forças convencionais poderiam ganhar a longo prazo”. E foi exatamente isto que aconteceu. Agora vivemos numa situação diferente em que armas nucleares ainda impedem uma vitória definitiva numa guerra convencional, mas são, ao mesmo tempo, completamente inúteis. Portanto, minha conclusão é que veremos no futuro que as potências nucleares remanescentes vão perceber gradualmente que estas armas são, em primeiro lugar, perigosas para si mesmas, pois elas conduzem à ameaça por outras potências e vizinhos, conduzem países pequenos como a Coréia do Norte, o Irã, e o Iraque estava avançando em seu programa quando foi neutralizado em 1991, que estes países periféricos perceberão, a longo prazo, que seus arsenais são inúteis e que é melhor viver num mundo sem armas nucleares.

Em seu livro, “A Construção da Bomba Atômica”, o Sr. trata da interface problemática entre o establishment militar e as diversas culturas científicas, o que involve certamente o papel de Leo Szilard,

mas, sobretudo, de Oppenheimer

na liderança do Projeto Manhattan como o “tradutor” entre estas culturas. A maioria deles se horrorizou posteirormente com a escala da carnificina em Hiroshima e Nagasaki.

Uma vez que Oppenheimer afirmou nesta época que não se poderia estabelecer um “perímetro moral” para a ciência, de que maneira o mito em que se transformou, o outro lado intelectual de trevas, poder e queda do sonho americano, um “fausto” americano, nos oferece hoje parâmetros para os novos desafios das novas tecnologias?

Richard Rhodes - Por um lado, Oppenheimer havia aprendido de Niels Bohr que a introdução destas armas no mundo havia mudado definitvamente a natureza da guerra.

Niels Bohr, o grande físico dinamarquês, resumiu a situação numa única sentença: “Estamos numa situação completamente nova que não poderá mais ser resolvida pela guerra”. Certamente ele estava falando que a guerra nuclear é uma antinomia, ela é, por natureza, suicida, não há e nem pode haver vencedores, como o provaram as Guerras da Coréia, do Vietnã e do Afeganistão e, nestas circunstâncias, o mundo teria de achar uma nova maneira de resolver suas disputas.

Esta idéia de segurança comum, abraçada décadas depois por Gorbatchev, a saber, que nações em conflito na era nuclear deveriam procurar criar as condições de fortalecerem sua segurança comum ao invés de prosseguir na escalada e na espiral de ameaças da corrida armamentista. Oppenheimer abraçou iniciamente, com veemência, o ponto de vista de Bohr sobre a mudança da natureza da guerra, da impossibilidade de vitória, portanto, isto implicaria uma limitação da soberania nacional nesta esfera de segurança comum das nações-estado, que tradicionalmente haviam traçado estes limites com a guerra convencional nos séculos anteriores. Este limite havia sido superado com a emergência da era nuclear e outros caminhos teriam de ser trilhados na resolução de conflitos que não a guerra. Mas quando Oppenheimer tornou-se conselheiro do governo depois da Segunda Guerra, a primeira coisa que fez foi desenvolver um programa internacional de controle de armas nucleares, naquilo que ficaria conhecido como “Acheson–Lilienthal Report”. Este comitê tinha a tarefa de encontrar uma forma de controle internacional para o uso pacífico da energia nuclear. Ele não era composto apenas por cientistas, Oppenheimer estava na liderança, mas também por engenheiros e empresários dos setores chave, trabalhando em 1946, desenvolvendo um plano para o que deveria ser mudado na esfera internacional, um documento extremamente sofisticado e visionário. Acredito que ele pudesse ser aplicado melhor hoje do que naquela época. Mas quando o plano foi apresentado ao porta-voz de Truman para ser apresentado às Nações Unidas, seu nome era Bernard Baruch,

Baruch queria modificá lo, porque ele não previa nenhuma forma de sanção efetiva no projeto original. “Onde esta seu exército para assegurar a implementação das resoluções, se alguém se decidir a ir adiante quem vai detê-lo”, perguntou-lhe Baruch e Oppenheimer respondeu: “Não é preciso um exército”. Por que não, retrucou Berouk: “Porque se um país resolver desenvolver armas nucleares, de acordo com o plano, este programa, em si, já seria uma declaração de guerra.” Desta forma, qualquer país que se sentisse ameaçado teria o direito legítimo de tirar as consequências, talvez na forma de uma coalizão para um ataque a este membro renegado. Mas se todas as negociações falhassem, todos os outros poderiam desenvolver seus próprios arsenais, ou reconstruí-los. Contei esta história, pois nos encontramos hoje na mesma situação de 1946, pois existe hoje, de fato, com base em todas estas lições históricas, a possibilidade de zerar, de uma vez por todas, este arsenal, e um consenso, seja na opinião pública, ou até mesmo entre muitos neoconservadores depois do trauma do 11/09, mas, sobretudo, na nova administração, da qual é marco o discurso de Obama em Praga na primavera de 2009, de que é possível dar este passo adiante. Foi este problema também que obcecou Reagan

e ele chegou finalmente à idéia de que apenas uma solução tecnológica daria um xeque-mate ao impasse com o SDI. Reagan não acreditava que se pudesse confiar em ninguém neste mundo e, se não existia uma saída “moral”, a única forma de fechar a espiral da escalada era atingir uma superioridade tecnológica insuperável, criando um escudo defensivo antimísseis em órbita, o que, na verdade, era, do ponto de vista técnico, como sabemos, impossível.

Mas retornando a 1946, quando o plano foi finalmente apresentado às Nações Unidas, a União Soviética naturamente o rejeitou, pois não poderia viver num mundo em que os americanos detivessem este monopólio E foi assim que Oppenheimer mudou de posição. Ele chegou à conclusão, como patriota e nacionalista que era, que os Estados Unidos teriam de construir mais e melhores bombas. E, embora ele ainda acreditasse, num plano ideal, que seria melhor viver num mundo com esta forma de controle, ele também acreditava que os Estados Unidos deveriam estar armados e preparados contra uma eventual ameça nuclear da União Soviética. Ele perdeu a fé nas suas idéias pela emergência do complexo industrial-militar, no seu sonho de acumular um arsenal e se sentir mais seguro. Ele não consegiu simplesmente quebrar esta espiral, a despeito de suas convicções, e assim mergulhou gradualmente na frustação, até ser finalmente punido por suas crenças.

A reeleição surpreendente de Truman marcou um deslocamento do eixo eleitoral para a direita do Meio Oeste, a assim chamada, “ascensão dos brutos” com Joseph McCarthy, na caçada às bruxas e então Oppenheimer tinha de ser destruido.


Richard Rhodes - Ele tinha de ser destruído, em parte, não só pela histeria institucionalizada que enevenenou o melhor em nosso espírito, mas também por razões pessoais. Quando Lewis Strauss, uma personagem e um homem particularmente mau, tornou se presidente da AEC, ele nutria um ódio profundo, uma vendeta pessoal contra ele, pois Oppenheimer, com sua sofisticação intelectual e humor, o havia desmoralizado em público, mostrando o quanto ele era ignorante em Física.

Mas, além disso, já havia se acumulado nesta época um sentimento generalizado contra Oppenheimer pelo fato de que ele não era favorável ao desenvolvimento da bomba de hidrogênio e, além disto, Oppenheimer havia feito também muitos inimigos entre generais da Força Aérea, ao se opor ao desenvolmento de bombas e aviões maiores, pois acreditava que os Estados Unidos precisavam de uma estrategia mais defensiva, e a Força Aérea procurava naquele momento consolidar sua hegemonia na disputa pelas verbas do orçamento e, já na metade dos anos 50, detinha, sozinha, 47% das verbas de defesa, enquanto o Exército e a Marinha dividiam o resto.

Eles conseguiram convencer a liderança da época de que o investimento em aviões e bombas maiores era o melhor caminho. Oppenheimer é uma espécie de figura trágica.

Neste ponto de vista, retornando ao ponto zero, seria ahistórico argumentar que Truman tomou uma decisão “política” de empregar a nova arma, já que nenhuma decisão foi necessária, uma vez que seu emprego já era uma consequência antecipada do Projeto Manhattan, diante de um Japão derrotado militarmente? O que é histórico e não histórico neste debate e o que esta dualidade nos fala sobre a opinião pública nos Estados Unidos desde 1945?


Richard Rhodes - É verdade que Truman, de fato, não tomou uma decisão específica. Houve uma ordem oficial expedida pelo General Leslie Groves aos militares,

na qual basicamente se afirmava quando a arma estivesse pronta, ela deveria ser empregada da maneira mais adequada. Da mesma maneira, como as demais inovações tecnológicas haviam sido introduzidas no campo de batalha na Segunda Guerra. Isto mostra apenas a falta de compreensão essencial sobre o significado desta nova arma. Os militares acreditavam que se tratava apenas de uma arma mais poderosa que as demais. É um equívoco fundamental que permeia todos estes anos. Quando Niels Bohr procurou Churchill para lhe relatar os perigos desta nova tecnologia e a necessidade de um controle internacional, Churchill retrucou dizendo-lhe que não havia nada de especial nesta arma, tratava-se apenas uma bomba maior e o expulsou literalmente da sala.

Isto é parte de uma tragédia ainda maior que se seguiu à Guerra, pois estas bombas eram ainda muito pequenas em potência, porque também, na avaliação posterior dos danos causados pelas bombas incendiárias, que criaram em abril de 1945 uma tempestade de fogo em Tóquio,

e os danos causados em Hiroshima e Nagasaki, os resultados pareciam semelhantes para os militares. A principal efeito de um artefato nuclear é o fogo, não é a radiação, nem o impacto inicial, mas o fogo, uma bola de fogo de milhões de graus incinera todo material orgânico num raio de kilometros. Morreram muito mais pessoas na primeira noite de bombardeio em Tóquio, em abril, que em Hiroshima ou Nagasaki.

Nesta primeira noite, mais de 140.000 pessoas morreram neste primeiro ataque incendiário, que encontrou um vento favoravel para criar uma tempestade de fogo que consumiu uma área de 20 km2. Quando pessoas como Paul Nitze,

Conselheiro do Departamento de Defesa visitaram Hiroshima e Nagasaki, eles não entenderam que estas eram essencialmente novas armas, com um potencial quase ilimitado de destruição. E quando a Guerra Fria começou, eles ainda imaginavam um uso militar para elas, como na Guerra da Coréia, pois ainda pensavam anacronicamente nos termos da Segunda Guerra Mundial e na maneira como poderiam empregá- las. Mas isto se deve também ao fato de que as duas bombas empregadas eram pequenas em relação à potência crescente que o arsenal atingiria nos próximos anos. Eles não conseguiram fazer o exercício intelectual de perceber que a ordem de magnitude havia mudado. E acho que esta é uma chave para compreender por que os Estados Unidos e a União Soviética se lançaram nessa corrida até o ponto de criar um cenário de destruição global nunca antes imaginado, capaz de produzir um inverno nuclear mais destrutivo que todas as consequências ambientais da industrialiazação nos últimos duzentos anos para o aquecimento global. Há um ensaio muito interessante do matemático

John von Neumann na metade dos 50. Ele postulava que a intervenção humana no ambiente, pela primeira vez, começava a atingir proporções globais e não mais regionais. As armas nucleares são o melhor exemplo desta virada ambiental.


Edward Teller, estilizado por Kubrik em "Dr. Strangelove", deu a pá de cal na carreira do físico no seu depoimento na audiência da AEC. Oppenheimer rabiscou algumas notas em que se lê: “Teller agressivo - consciente - os dois lados da bomba de hidrogêncio.” O que Oppenheimer queria dizer exatamente com os “dois lados da bomba de hidrogenio” e o que o Sr. denomina na atitude de Teller “valores húngaros” para se relacionar com a política interna americana?



Richard Rhodes – Teller tinha absoluta consciência do que estava dizendo, que aquilo significava o fim da carreira de Oppenheimer, quando sua credencial de segurança fosse cassada, mas ele desempenhou seu papel de maneira histérica, dividida.

Os “dois lados da bomba”, podemos especular bastante sobre esta nota, acredito que, à margem do argumento que Teller apresentava, a saber, a necessidade de bombas de hidrôgenio para contrabalançar a quebra do monopólio americano em 1949, os soviéticos ainda dispunham de 4 milhões de soldados estacionados na Europa Oriental depois da Segunda Guerra,

mas tínhamos ainda o monopólio da bomba e a sensação ilusória de segurança até o primeiro teste soviético, havia uma descarga emocional decorrente de uma constelação privada de fatores. O húngaro Teller ficou obcecado e confessou a um de seus colegas, “se não construirmos a bomba de hidrôgenio em alguns anos, vou me tornar inimigo dos soviéticos em território americano”. Mas agora os soviéticos detinham não só a superioridade terrestre, mas a bomba também.

Pessoas como Oppenheimer, Rabbi e muitos outros físicos da AEC disseram bom, esta é, mais uma vez, a oportunidade de sentar à mesa e tentar negociar para interromper a corrida pela “super”, justamente num momento em que os Estados Unidos ainda não tinham a “super” e nem sequer sabiam se ela era possível de ser fabricada. Vamos trabalhar então em outras bombas atômicas. Mas Teller, por razões óbvias de origem, entrou no clima de histeria, além do que, ele sonhava com este projeto desde que fora para Los Alamos trabalhar com Fermi no Projeto Manhattan. Os “dois lados” eram os dois campos no outono de 1949 sobre qual seria a melhor resposta à quebra do monopólio.

Mas já antes do teste soviético, os Estados Unidos estavam acelerando seu programa de testes no Pacífico que indicavam mudanças revolucionárias no design das bombas, com a possibilidade de aumentar a potência com menos plutônio, um método chamado “levitação”. As bombas de implosão funcionavam, até então, com um impacto direto das lentes explosivas no núcleo de plutônio, mas se você suspendesse o plutônio, estabelecendo uma distância para aumentar a força do impacto, o princípio da levitação aumentaria consideravelmente o rendimento da compressão do núcleo e da potência final. Luis Alvarez, um dos inventores da bomba atômica, me contou isto uma vez com a seguinte comparação, assim como voce não bate um prego enconstando nele o martelo, mas aumentando a distância para ganhar o momento necessário, se voce ganhar momento antes de atingir o núcleo, a compressão será muito maior. Isto signficava, de um momento para o outro, na prática, que tínhamos o dobro de plutônio do que na semana anterior. A partir daí, o designs se aperfeiçoaram e miniaturizaram nosso arsenal. Mas Teller estava histérico e em pânico em sintonia com a mudança do clima político. E isto eu denominei como uma “atitude húngara” no trato da política americana, a saber, todo aquele antigo mundo da comunidade judaica húngara havia ruído com as deportações em massa em 1944. A avó de Teller costumava ameaçá-lo dizendo: “Se você não se comportar direitinho, menino, vou chamar os russos”. Quando Budapeste foi tomada pelos russos numa batalha feroz, a cidade foi quase que inteiramente destruída como Stalingrado, milhares de corpos boiavam no Danúbio, e o Exército Vermelho se viu lutando não só contra os nazistas, mas também contra a contra-revolução húngara e depois disto a instalação de um regime comunista o deixou aterrorizado. Conversei com ele uma vez sobre o assunto e ele me disse naquela época que esta não era mais a razão pela qual não gostava da União Soviética. A razão foi quando seu amigo astrofísico Lev Landau foi aprisionado um ano por Stalin.

E outra coisa que ele me relatou sobre a ameaça do comunismo foi o impacto profundo da leitura do livro de Arthur Koestler “Darkness at Noon”, quando foi para Los Alamos em 1943. De acordo com Teller, estas seriam as razões. Mas não acredito que fossem apenas estas por esta resposta tão emocional.




Eisenhower estendeu a Guerra Fria ao Terceiro Mundo ao falhar em distinguir o nacionalismo do comunismo, com consequências desastrosas para o futuro, mas fracassou também, finalmente, no seu esforço de refrear a militarização da política externa e da vida americanas na ascensão daquilo que ele cunhou como o “complexo industrial militar”. No entanto, nos útlimos anos, vem surgindo uma nova historiografia deste ciclo. Como o Sr. se posiciona diante dela?



Richard Rhodes - Tenho realmente uma opinão muito elevada por Eisenhower, porque, ao contrário de muitos outros presidentes americanos, ele tinha, de fato, muita experiência e tato em política externa. Por exemplo, em 1954, quando os franceses estavam perdendo a guerra no Vietnã eles pediram algumas bombas atômicas táticas “emprestadas” para usá-las contra o que seria, posteriormente, conhecido como o Vietkong. “Não, não vamos apoiá-los, pois este é o fim de seu domínio colonial, não queremos nos envolver numa guerra nesta área e, além disto, não podemos ganhá-la”, foi o recado que ele mandou.



Isto é, o atoleiro no qual nos enredamos na década seguinte era justamente o que Eisenhower pretendia evitar em suas duas gestões. Ele também se empenhou, em seu segundo mandato, em manter a União Soviética e Krtuschev sob pressão para conseguir um completo banimento de testes de superfície,

antes que o novo estágio de desenvolvimento, a nova geração de armas chegasse a cabo, basicamente uma miniaturização dos designs existentes para os nossos mísseis intercontinentais. Este acordo parecia já tão próximo que o tratado seria assinado na Cúpula de Paris no verão, quando os soviéticos abateram o U2 de Garry Powers e, nestas circunstâncias políticas, Krutschev não poderia mais assinar um acordo com o presidente americano, para tristeza e desapontamento de Eisenhower. Mas ele se empenhou de maneira dura, especialmente no seu segundo mandato, em se afastar da dependência de armas nucleares, de interromper o desenvolvimento técnico de uma nova geração de armas que poderiam ser empregadas em outros cenários. Por outro lado, ele era também um homem do Exército e, principalmente, em seu primeiro mandato, ele se engajou em estacionar armas nucleares, ao redor do mundo e acreditava que deveríamos estar preparados para usá-las, mas, felizmente, não foi necessário, embora acredite-se, geralmente, no fato de a Guerra da Coréia tenha sido encerrada em seu primeiro mandato por uma ameaça velada nuclear aos vizinhos China, Índia e Coréia do Norte, se eles não intererrompessem as hostilidades, armas nucleares seriam empregadas. Mas esta inflação retórica era parte do jogo e moeda comum de ambos os lados. Ele nunca teve a intenção de usá-las.

Mas ao mesmo tempo, por ser um militar, ele contribuiu para aquilo que ele mesmo denominaria mais tarde como o complexo industrial-militar, no seu melancólico discurso de despedida, como um alerta para o futuro dessa simbiose, um desenvolvimento que significaria a completa militarização do país e sua economia, sobretudo quando ele comparava os custos de cada ogiva em relação às escolas que deixavam de ser construídas, às estrada e toda infra-estrutura. Ele deixou a presidência com este sentimento profundo de derrota, de que a escalação entre os Estados Unidos e União Soviética iria chegar ao paroxismo e arruinar, finalmente, a América, refiro-me ao sentimento de medo profundo que permeou todos os anos cinquenta, por razões que não vou detalhar inteiramente aqui, nosso desconhecimento do outro lado, a indústria da ameaça inflacionada para efeitos de política interna, mas ele esperava, sinceramente, que a sociedade americana se desenvolvesse numa outra direção. Acredito que ele seja, assim como Oppenheimer, um outro tipo de herói trágico, no exato sentido de falhar em esclarecer os políticos e os militares, que tudo havia mudado essencialmente, todas as categorias, e que a guerra não poderia mais resolver estes problemas. Mas este jogo durante toda a Guerra Fria nos Estados Unidos era um jogo, como você se referiu à RAND,

era na verdade um jogo político doméstico tendo como pano de fundo uma arena global, e assim nos tornávamos cada vez mais fracos e dependentes do próximo lance do adversário, enquanto a União Soviética, sentada do outro lado da Cortina de Ferro, tinha motivos para estar aterrorizada com a indústria das ameaças a cada novo salto tecnológico. Acredito que este clima de medo generalizado na América somente poderia ser comparado aos anos imediatamente anteriores de isolacionismo, quando a Alemanha de Hitler avançou sem freios até 1941, até o trauma de Pearl Harbor, o pesadelo americano da invasão, até o momento em que se percebeu, finalmente, o perigo de uma Alemanha nazista com armas nucleares. Foi uma grande tragédia este jogo sem vencedores.



Krutchev era um mestre do blefe, uma personagem bastante impulsiva e teve a iniciativa de desencadear uma das mais perigosas crises do século XX ao estacionar mísseis de médio alcance em Cuba. Ambos os lados já estavam, nas palavras de Herman Kahn, na iminência de um “orgasmo de guerra”. Depois do desastre da Cúpula de Viena, em 1960, ele pareceu ter perdido quase todo o respeito pessoal pelo jovem presidente J. Kennedy. O Sr. poderia falar um pouco sobre este choque de personalidades no “poker” da Guerra Fria?



Richard Rhodes - Sinceramente, nunca vi por escrito o que foi dito exatamente no dia do primeiro encontro. Tudo que li é que Kenndey estava, de fato, extremamente nervoso e acuado pelas investidas de krutschev, sobretudo com o estatuto de Berlim Ocidental.

Mas, o que posso dizer, com certeza, é que o tiro de Krutschev saiu pela culatra. Kennedy voltou para casa determinado a não ser mais acuado e tolerar ameaças aos Estados Unidos. Uma coisa era Kennedy, da fina flor da elite de Harvard, como pessoa, muito jovem, estar abalado de ser tratado com rudeza e colocado contra a parede por um ex-camponês da Velha Guarda revolucionária, na sua maneira dominante de falar e intrepretar seu papel, neste plano pessoal, outra coisa é a Presidencia dos Estados Unidos, a Casa Oval e todas as forças em terra e no mar que tinha em comando ao redor do mundo, para determinar qual seria o próximo lance. O que ocorreu na prática foi que Krutschev ameaçou fechar Berlim, assinar um tratado em separado com a Alemanha Oriental, quebrando o acordo de Potsdam e o status quo de ambas a Alemanha e isto era intolerável para nós e outros parceiros da OTAN, sei disto por experiência pessoal, pois todos os reservas foram convocados e por dez meses estávamos de prontidão, mandado uma mensagem para Krutschev de que estávamos, de fato, preparados para a guerra direta. Um outro ponto no qual acho que Kennedy cometeu um erro fundamental. Nossa primeira geração de satélites de espionagem, os coronas, dispunham de enormes rolos de filme. Eles eram ejetados de órbita, desciam suavemente no Pacífico para ser resgatados com um gancho por aviões e depois de revelados, eram cameras de altíssima precisão e de grandes tomadas, nos revelavam os detalhes de todo território soviético, nada comparável aos U2 e o que Kennedy viu era que a União Soviética tinha só 4 mísseis intercontinetais que precisavam de 24 horas para serem abastecidos e lançados. Krutchev estava blefando. Mas ele deu um passo adiante. Ele cometeu o erro de chamar o embaixador soviético e exigir que os soviéticos parassem de nos ameaçar. Krutschev intrepretou este movimento como uma ameaça existencial, como se estivesse nu e sem defesa e foi assim que ele se decidiu, secretamente, a instalar mísseis a 120 milhas de nossa costa, assim como os jupiters já instalados do outro lado da costa do mar negro na Turquia, apontados para sua casa de verão na Criméia. O que nós não sabíamos à época, e Robert McNamara,

o Secretário de Defesa somente veio a saber em 1998, numa conferência com cubanos, americanos e soviéticos, à qual eu estava presente, é que havia mísseis prontos para o lançamento com as ogivas já instaladas e ele disse meu deus, se tivéssemos atacado Cuba, como a linha dura dos militares exigia, especialmente Curtius Le May, que pusera também Kennedy contra a parede neste momento, teríamos uma guerra total e definitiva. Os soviéticos dispunham de mísseis que poderiam atingir Washington e toda a Costa Leste. Para mim, é claro que nós sobrevivemos à Guerra Fria quase por milagre, por muito pouco, não foi a “lógica”, a “lógica da ameça”, mas simplesmente a sorte e o acaso que nos salvaram e também a hesitação humana de ambos os lados no ápice da crise.



Considerando o registro dos anos Nixon-Kissinger, pode uma sociedade democrática, como os Estados Unidos, conduzir uma política externa baseada nos princípios europeus clássicos do balanço de poderes como “Realpolitik” e permanecer uma democracia a longo prazo?



Richard Rhodes - Respoderia de maneira mais geral. Acredito que a sociedade americana se desenvolveu no sentido de que o segredo e o poder das comunidades de inteligência tomou conta de nossas vidas. Isto começou com o segredo das armas nucleares do complexo militar e seu design e lentamente inundou grandes setores do governo e hoje este processo ameaça finalmente engolir todo o processo democrático. O 11/09 consolidou o poder de um enorme aparelho de segurança, a Homeland Security Agency,

que está se infriltando em cada poro da vida cotidiana. Posso até parecer paranóico, mas é exatamente isto que está ocorrendo e estão fazendo, ao contrário de pessoas como Dick Cheney, que acreditava que o governo deve manter tudo em segredo, com as melhores das intenções. São pessoas sinceras, tentando proteger o país, de ameaças reais ou imaginárias, contra as quais não podemos ainda nos proteger, como um ataque nuclear com um artefato sujo. Mas não existe nenhum meio efeitvo para isto, salvo a atividade polícial rotineira, a espionagem tradicional. Eles têm por lema orwelliano a idéia de que devem se ocupar e zelar de tudo. Isto pode ser visto em termos do orçamento e bilhões de dólares, pelo menos. O efeito de longo prazo de conduzir uma política externa secreta num mundo completamente armado foi a atrofia dos processos democráticos. É realmente bastante assustador e o fato de que hoje estejamos nos voltando para o colapso de nossa economia somente ilustra que devemos nos libertar da dependência de armas nucleares, para um mundo sem armas nucleares como propusera Niels Bohr, que citei no início, propunha, um mundo mais transparente a controles.

Alguns neoconservadores querem nos fazer acreditar que eles leveram os soviéticos à lona com a corrida armamentista, um mito que se firmou no inconsciente americano recente até o 11/09. Eles acreditam, enfaticamente, que o novo terrorismo internacional tornou mais volátil e perigosa a atual situação que no auge da Guerra Fria, como o ex-Secretario de Estado Georg Shulz. O Sr. compartilha, em parte, alguns destes pontos de vista?

Richard Rhodes - Em primeiro lugar, o argumento dos neoconservadores que jogamos a União Soviética na lona pela corrida armamentista não é suportado por nenhuma prova histórica. Eu desenvolvi em bastante detalhes esta falácia no meu livro “Arsenals of Folly”. É bastante claro para mim, olhando em retrospecto desde os 80 até 90, que a União Soviética poderia ainda por um período continuar nesta trilha com sua economia estagnada. Tudo funcionava extremamente mal e poderia ainda continuar assim por mais alguns anos. Mas, ao mesmo tempo, a mudança veio quando Gorbatchev viu como cidadão comum soviético vivia em condições péssimas em comparação com as democracias da Europa Ocidental, onde passava férias com Raísa. Se o comunismo parecia um grande sistema, por que vivíamos de maneira tão pobre. Ele estava determinado a mudar isto e a maneira que ele encontrou foi começar cortando despesas do orçamento de defesa, mas como ele poderia fazê-lo politicamente com os Estados Unidos de Reagan do outro lado. Mas ele aprendeu com pessoas como o social democrata alemão Willy Brandt

a idéia de segurança comum. Do ponto de vista alemão, isto significava sentar-se à mesa com os russos e negociar, como primeiro passo da Reunificação a longo prazo. Para os russos, isto significava um reconhecimento definitivo das fronteiras pós 45, ou seja, a consolidação da divisão alemã, mas foi o exatmente o contrário o que ocorreu: A Reunificação alemã e o fim da União Soviética. Gorbatchev emprestou esta idéia de segurança comum para a relação com os americanos, enquanto a resposta de Reagam era SDI, uma solução tecnológica. A resposta de Gorbatchev foi não precisamos destas armas, a menos que os Estados Unidos nos ataquem, mas eles são muito prósperos para isto e uma vez ele disse isto pessoalmente a Reagan, não precisamos lançar estas armas em seu território, tudo que precisamos fazer é explodi-las onde estão e os efeitos globais farão o resto. Nós podemos nos desarmar completamente e seremos tão seguros quanto estamos hoje. Era um passo radical. Isto parecia à época completamente inviável para o Politiburo e o establishment. Mas ele perdeu gradualmente o controle interno até que uma revolução ocorreu e foi afastado. Não foram os bilhões de dólares que o Estados Unidos investiram na Gria Fria que levaram ao colapso da União Soviética, como estes políticos nos querem fazer crer, mas as contradições internas da economia de comando que levaram à ruína. Ao contrário, e o que estes polílticos justamente nunca mencionam, é o fato de que os Estados Unidos é que foram degradados em sua infra-estrutura, entre outras coisas, e, se não fossemos muito maiores que a economia soviética, certamente também teríamos falido. Detalhei estes custos no meu livro com base numa tabela da Associação Nacional dos Engenheiros, foram mais de 18 trilhões de dólares na corrida armamentista.

Como dramaturgo, o Sr. reconstrói os bastidores da cúpula de Reykjavík, em 1986, entre Reagan e Gorbatchev.

O Sr. poderia falar de seu processo criativo e por que considera ambas as personagens históricas como dois “outsiders” que não vieram das comunidades de inteligência e quais são suas expectativas com o novo filme de Ridley Scott sobre o encontro?

Richard Rhodes - É bastante interessante olhar em retrospecto e ver quais foram os líderes mundiais com o maior impacto em seu presente.

Geralmente, não são pessoas que vêm do centro da sociedade, mas sim da periferia. Hitler é um exemplo clássico, com seu alemão austríaco. Reagan começou sua carreira fulgurante como ator, tornou- se governador da Califórnia e depois presidente. Ele não era um político de carreira, mas um ator. Ele mesmo reconheu uma vez que que qualquer ator, alguém que pasasse seu tempo desempenhando, poderia se tornar presidente.

Gorbatchev vinha da província, e não do círculo íntimo do Kremelin, que costumavam rir de seu russo interioriano. Estas pessoas que vêm da periferia e não do meio não costumam tomar o satus quo como realidade, como garantido, são uma espécie anfíbia, com um olhar exterior. Isto fala, em parte, por que eles puderam refazer todas as coordenadas da Guerra fria e de seus países. Reagan teve um impacto colossal dentro dos Estados Unidos, um mal impacto, na minha opinião, pois fez do governo um inimigo e nós lutamos até hoje contra isto e esta é uma das razões principais que estejamos nesta situação economica. Gorbatchev pode ver os impasses em seu país e o bloqueio da Guerra Fria e isto faz deles personagens muito interessantes e multifacetadas em minha peça, a despeito do fato de serem também muito diferentes em temperamentos. Nas transcrições, vemos como Gorbatchev desempenha o papel do lógico, com argumentos lógicos, falando para um Reagan que só pensava em termos de roteiros, histórias, Reagan não pensava em termos lógicos, tinha seu próprio processo mental que funcionava muito bem para ele.

Acho que este cenário entre realismo e imaginação na arena global, numa ilha ártica, deve ter fascinado também Scott. Reagan foi muito bem sucedido, a fábula do “sonho americano” por definição. Ele veio de uma pequena cidade do inteiror, virou um galã de cinema de uma hora para a outra, então governador do estado e presidente. George Schulz, seu ex Secretário de Estados, lembra, Sr. Presidente, não posso argumentar com o Sr. O Sr. foi eleito pela maioria, minha tarefa é fazer que as coisas que o Sr. deseja aconteçam. Mas para conseguir um distanciamento histórico, introduzi o fantasma de Oppenheimer que diz a Reagan: “É impossivel ganhar esta guerra (a Guerra Fria) com superioridade tecnológica, Sr. Presidente”. E Reagan retruca: “Mas não era exatamente disto que se tratava no Projeto Manhattan?”. Gerald Finley no papel Oppenheimer em "Dr. Atomic" de John Adams



Ainda assim, os Estados Unidos continuam perseguindo um extensivo programa espacial guerra nas estrelas, um mito já bastante arraigado no incosnciente americano e sua política. China e outras nações começam a desafiar a hegemonia americana na nova corrida espacial, desenvolvendo sistemas de abatimento de satélites. Enfim, a militarização do espaço, na concorrência por estes novos mercados orbitais, parace inevitável. Como o Sr. vê este desenvolvimento?

Richard Rhodes - Não estou muito certo de que seja inevitável, exceto no sentido de usar o espaço orbital para reunir inteligência e comunicações. Não é nada fácil ter armas espaciais, porque não é facil ter máquinas que olhem para baixo, coletem e filtrem todas estas informações espalhadas pela superfície ao mesmo tempo, mas é muito mais fácil construir um sistema anti-satélites que possa tirá-los de órbita. Embora o aparato militar americano, bem como outros em outros países, ainda sonhe com suas estações orbitais, seus SDIs à maneira do capitão Kirk, ou outras séries de televisão, penso, ao contrário, que o mais importante aspecto do uso militar do espaço, como demonstrado nas duas Guerras do Iraque vigorosamente esteja na terra, é justamente a simbiose das informações em tempo real entre o campo de batalha e os satélites que vai determinar o futuro da guerra convencional. Os Estados Unidos, na primeira Guerra do Iraque colocaram este sistema em funcionamento pelo primeira vez com os Stealth B-2, bombas inteligentes, etc, eles aumentauram a razão de forças de 1 para 1000, de um soldado aliado morto para em média 1000 iraquianos, nestas circunstâncias, a guerra duraria no máximo dois ou três dias e este é o futuro da guerra convencional entre tropas regulares, não estamos falando aqui, é claro, de conflitos assimétricos, da guerrilha ou terrorismo, as tecnologias remotas permitem manipular os equipamentos a milhares de kilometros, virtualizando o campo de batalha, alguém sentado na Costa Oeste americana, manipulando com joysticks equipamentos no Golfo Pérsico, algo que há décadas só existia como ficção científica, uma guerra de máquinas, embora infelizmente sejam seres humanos.

Mas, mesmo se abstrairmos este desenvolvimento da guerra convencional, ele só prova mais uma vez como as armas nucleares são inúteis e pior ainda que inúteis. Se voce pode neutralizar o inimigo sem danos colaterias, e armas nucleares são exatamente a definição do dano colateral total, uma arma do século XX, desenvolvida com uma mentalidade que nasceu no fim da Primeira Guerra Mundial nas forças aéreas, quando a idéia do bombardeio estratégico na retaguarda do inimigo, além das linhas entricheiradas em suas cidades para minar o moral de suas populações e deter sua capacidade de produção, que assim se revoltaria contra seus líderes e apelaria para a paz, e o bombardeio das cidades alemãs e japaonesas provou justamente que o contrário é verdadeiro, que o bombordeio estratégico e incendiário não ganha guerra nenhuma, que voce pode até destruir a infra-estrutura do inimigo, mas ele não se rende. E como nós nos comportamos, isto é, nós os Aliados, foi irracional, matando milhares de civis, sobretudo no Japão nos últimos seis meses como tempestades de fogo. Armas nucleares são obscoletas, nunca foram armas de guerra, exceto na única situação de um único país deter seu monopólio e se continuarmos ainda a nos apegar a elas é por não temos nada melhor em que pensar. Acho que está ficando claro que não podemos viver num mundo em que populações inteiras possam ser destruídas.

Na verdade, isto signficou uma mudança moral na natureza da guerra entre as nações-estado quando a idéia de reduzir o dano colateral se tornou um imperativo moral, o que eu quero dizer é que depois do Holocausto, de Hiroxima e Nagasaki, a idéia de que a destruição deva ir até o fim, sem limites, tornou se um tabu civilizatório na arena da nação-estado e esta violência se deslocou depois da Guerra Fria para as guerras civis e tribais como em Ruanda, ou como na Guerra Civil na ex-Iuguslávia.

O seu novo livro “The Twilight of the Bombs”, um título ironico e wagneriano, reconstrói o período que vai desde o fim da Guerra Fria, as duas Guerra do Iraque e culmina no discurso de Praga de Obama, no qual os Estado unidos se comprometem a não usar artefatos nucleares contra estados não-nucleares, mesmo se atacado com estas armas, ou armas biológicas ou químicas. A proposta do arsenal zero é realista? Podemos voltar os ponteiros do relógio?




Richard Rhodes - Estou muito otimista com Obama por que “nós podemos, sim”, voltar os ponteiros do relógio. Obama está retomando justamente esta idéia do início de Niels Bohr, em 1946, a idéia da segurança comum e dos mecanismo de controle multilaterais, desde que se considere dois pressupostos.


“Tudo que fosse uma ameaça ao mundo deveria ser aberto ao mundo”, Oppenheimer disse, ecoando Bohr. Isto quer dizer na prática, você não pode ter um país que diga, “podem inspecionar esta parte de nosso território, mas aquela não”.

Nós estavamos indo nesta direção por um tempo quando foi assinado o protocolo do Tratado de Não Proliferação em 1995, da IAA, e também no último ano, por todos os signatários que permitia inspecções supresas.

Claro, nem todos são signatários como a Coréia do Norte, o Iraque ainda quando estava desenvolvendo seu programa, estes pequenos países periféricos são exceções, o Irã é um outro caso muito especial.

O ponto número um é que tudo deve ser aberto e disto os países não gostam, porque estas inspeções parecem a seus inimigos como sinais de fraqueza e esta era a razão da Cortina de Ferro, pois a União Soviética não queria expor suas fraquezas militares. E o ponto dois é que, num mundo sem armas nucleares, você teria de manter a a capacidade de recompor seu arsenal se fosse necessário, se alguém trapaceasse e não pudesse mais ser detido, uma idéia que vem sendo denominada “arsenal virtual”. Acho que valeria a pena tentar viver num mundo sem armas nucleares. Sei que muitos argumentam que se chegássemos neste ponto estaríamos talvez criando um mundo mais seguro para as guerras convencionais, mas acho que não, pois o cenário potencial de uma guerra convencional escalar para um confronto nuclear direto seria igual à situação atual. Não mudaria em nada. Entao por que não tentar zerar. Esse seria uma passo fundamental para o Oriente Médio. Uma série de questões que borbulharam nas útlimas décadas entre Israel e seus vizinhos. Estas coisas terão de ser resolvidas e o potêncial sempre esteve lá e trata-se apenas da vontade política de implementar este passo e este objetivo é sufiente para conseguir um consenso. Isto significa que devemos achar uma solução de compromisso com a Coréia do Norte, que o Paquistão deve achar uma solução de compromisso com a Índia. Não se trata de encontrar uma paz mundial, mas o que Bohr disse, um mundo aberto e julgar os outros países com base na opinião do que de melhor voce tem, ao invés de seu potêncial militar.
No bazar do Dr. Kahn, sempre há uma pechincha para seu bolso

Mas imaginemos um cenário de horror, em que militantes extremistas islâmicos tomassem de assalto o poder no Paquistão. Os americanos tem um “plano B” para neutralizar um arsenal de 40 ogivas, por exemplo?

Richard Rhodes - Estaria chocado, sinceramente, se os Estados Unidos não tivessem já um plano no caso de isto acontecer no Paquistão. Seria uma insanidade não tê-lo. Não sei quais são exatamente os detalhes dos planos com os militares paquistaneses. Sei que o paquistão intencionalmente dividiu seu arsenal nuclear e os dispõs em diversos lugares, justamente no caso de militantes radiciais tomarem o poder e construir rapidamente uma arma suja com o material enriquecido que pilharem, mas a questão principal se a Al Qaueda seria capaz de ter acesso à parte deste material enriquecido ainda permanece, além, é claro dos mísseis. Não sei se os Estado Unidos, a Otan e a Rússia seriam capazes de recuperá-los a tempo. E quando me fazem sempre esta pergunta esta é justamente mais uma razão para eliminar de vez armas nucleares de nossos arsenais. Sempre há uma posibilidade estatística neste cenário de incerteza e a certeza de que, se isto ocorrer, elas certamente serão empregadas por fanáticos com consequências devastadoras. Imaginemos uma troca nuclear entre Israel e Ira, ou Índia e Paquistao, seria um horror além da imaginação na história humana em termos de mortes e danos ambientais. Os novos modelos climáticos mostram que uma guerra entre Índia e Pasquistao levaria a uma nova pequena era glacial, como em 1816, na explosão do Tambora na Indonésia, o ano sem verão. Não estamos seguros enquanto essas armas estiverem disponíveis.



Como o Sr. avalia o papel da diplomacia brasileira na mediação do conflito com o programa nuclear iraniano?

Richard Rhodes - Fiquei bastante impresionado em ver esta inciativa mediadora justamente de uma região que permanceu à margem nas últimas décadas dar uma passo a frente para contribuir nesta negociação complicada. Foi muito positivo. Houve muitas críticas nos Estados Unidos, porque parecia que o Brasil, como mediador, não estava se alinhando ao nosso lado, não estava escolhendo o nosso lado lado, mas a questão justamente de um mediador não é escolher um lado, mas achar os pontos comuns para uma negociação.

Mas muitos brasileiros pensam que o país não tem interesses vitais na região e que estaria dando um passo maior que a perna.

Richard Rhodes - Pensei que fosse até positivo, porque, veja bem, Estados Unidos e Irã tem uma relação tão envenenada há trinta anos, permeada por ódios e desconfiancas já tão profundas, que fica muito difícil sentar à mesa e tomar distância. Foi assim que interpretei o passo brasileiro, justamente por estarmos de fora podemos tentar. Mas os melhores negociadores nas últimas décadas são os pequenos, os independentes, a Suécia, a Dinamarca, por exemplo, no sentido de refrear os animos e intrepretei o papel do Brasil neste sentido.

Salvo pelo fato de que o Brasil não poderia proteger suas fronteiras no caso de uma troca entre Irã e Israel no caso de um pequeno inverno nuclear como o Sr. mencionou.

Richard Rhodes - Oh, I see, interesting, that is very funny...
Countdown to Zero Panel

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