quarta-feira, 29 de junho de 2011

70 Anos da Operação Barbarossa - "Finis Germaniae" - A Nova Guerra Européia dos Trinta Anos - Entrevista com o Historiador Hans Ulrich Wehler

Há setenta anos, nas primeiras horas da madrugada de 22.06.1941, divisões do "Gruppe Mitte", do General Fedor von Bock, cruzavam a linha demarcatória, na extinta Polônia, traçada um ano e meio antes nos anexos secretos do Pacto de Não-Agressão, firmado por Ribbentrop e Molotov no Kremlin, em direção à fortaleza de Brest.

Naquele momento, todas as linhas dos conflitos da década que se encerrava entre os "frontes populares" da Europa continental unificavam-se, finalmente, numa única Guerra Civil Mundial titânica do Atlântico aos Urais, tendo Hitler e seu anti-semitismo como força motriz.

Um oficial, veterano do antigo fronte ocidental de 1916, confessou ao seu batalhão: "Este é o Finis Germaniae", "Este é o fim da Alemanha como nós um dia a conhecemos". Porque se enganam completamente os que ainda acreditam que este lance, e os alemães quase ganharam a guerra nesta única cartada, teria sido motivado pela pilhagem do trigo ucraniano ou do petróleo do Cáucaso, ou mesmo a extensão do sistema concentracional e escravagista moderno com milhões de subumanos, ou seja, em última instância, por um objetivo "racional", incorporando ao Reich os domínios europeus da Rússia czarista como o Báltico e a Ucrânia. Esta era apenas a superfície do teatro de guerra.

Para Hitler, o judaísmo e o bochevismo eram exatamente a mesma coisa, duas faces da mesma moeda na caricatura do Comissário Político e sua "bestialidade".

Aquela Cruzada de Extermínio era o gesto final de sua missão anti-humana e anti-civilizatória.

Como reconhecia seu falecido biógrafo Joachim Fest, a diferença entre Hitler e todos os outros tiranos que o precederam, e até nele se inspiraram no futuro, é que sua loucura, de fato, não contemplava nenhum verniz "humano", qualquer traço "construtivo", nenhuma "justificava" visível em nome daquela frágil choupana no deserto que chamamos de "civilização", diante da brutalidade mais atroz. Quanto mais gratuita esta, melhor. Nada seria erigido sobre as ruínas deste mundo pilhado, onde escravos e subumanos marcham em colunas nas estradas sem fim. Exatamente como em "Guerra dos Mundos", ou, mais banalmente, em "Independence Day", quando Bill Pullman reconhece estar falando com gafanhotos, além da reciprocidade, "Nenhuma paz com vocês". A"Nova Ordem" seria uma estepe de cidades despovoadas, colheitas queimadas e fábricas em ruínas, como ilustra o olhar olhar deste soldado "ariano" diante "daquilo" que para ele é um "subumano asiático" a serviço da conspiração criminosa entre o judaísmo internacional e a plutocracia e Barbarossa é a prova de que os alemães foram vítimas de sua própria propaganda política.

Foi justamente depois de saber do encontro de Churchill e Roosevelt no couraçado Ausgusta em Placent Bay em agosto três meses depois, que Hitler conclui, finalmente, confirmando suas auto-profecias, que esta conspiração entre a plutocracia americana e o judaísmo internacional exigia o "extermínio final" de todos os 11 milhões de judeus da Europa, que seria selada em Wannsee em janeiro de 1942.

Aqueles que ainda emprestam à palavra "ideologia" qualquer autoridade se esquecem de que o nazismo a desmoralizou para sempre, pois ela não "esconde" nada.

Já no final de sua vida dedicada a tentar compreender se havia qualquer "vestígio" de racionalidade neste programa, Fest conclui, amargurado: "Não, Hitler foi único". Em seu léxico negativo, o movimento retilíneo para frente não pode ser nunca detido: deportar populações inteiras, remover, destruir, gaseificar, queimar, apagar cidades do mapa, torturar lentamente, esfaimar, asssassinar milhões, de preferência, de modo lento, nenhum sangue derramado seria sufiente para Hitler, sequer o de sua propria "Volksgeimeinschaft", sua "comunidade de sangue", que deveria também sucumbir por ter se revelado inferior na luta.

Cada campanha de extermínio exigiria uma outra. Como na vizinhança de um "buraco negro" da História, todas as categorias lógicas e racionais de nossa nova "física" fracassam quanto mais nos aproximamos do genocídio industrial e Auschwitz, recuando como uma "singularidade nua", um contrasenso total no qual as leis dos "movimentos históricos" não têm mais qualquer autoridade. Em outras palavras, Auschwitz aboliu a História como categoria. Mas a busca pelas "continuidades" e "nexos" nos convida a permanecer deste lado onde a lógica ainda impera e a História ainda pode ser escrita com "categorias", causalidades, pois elas nos oferecem uma segurança e conforto aparentes.

E deste outro lado da "singularidade crua" que é Auschwitz, os livros, depoimentos, documentários ou mesmo os compêndios história militar nos convencem, em sua "exemplaridade clássica", de que se a "Wehrmacht" pudesse ter influenciado, ainda na metade do verão de 1941, "racionalmente", o curso dos acontecimentos, a guerra teria sido decidida em menos de 22 semanas, como previsto inicialmente, com um "thurst" único em direção à capital, o que faz a fortuna dos produtores de games de guerra (muitos chamam-se Barbarossa) e documentários históricos e programas de TV. É verdade também que sequer a BBC acreditava, em setembro de 1941, que, depois dos expurgos, o Exército Vermelho tivesse alguma chance até o Natal. Mas é mais verdade ainda que os Aliados já sabiam, desde então, sobretudo nos Estado Unidos, quando a comunidade judaica começou a pressionar a Casa Branca, que algo de "muito especial", "terrível", pois os relatos que vinham do novo aliado soviético ecoavam na imprensa, que algo "grande", "sistemático" e "definitivo" contra todos os judeus do Leste já estava em curso desde o início da operação.

Mas Hitler resolveu cercar Leningrado, esfaima-la lentamente, pois ela era a matriz do bolchevismo, portanto, a sede do comissário político e do eterno judeu. Os conflitos abertos e operacionais entre a "Wehrmacht" e as SS na campanha polonesa, quando algo como uma certa resistência dentro de alguns setores mais conservadores já se insinuava em relação aos verdadeiros objetivos da campanha militar, fora debelado.

Barbarossa nasceu, de fato, com a "Kommissarbefehl", de 06.06.1941,

que isentava de qualquer processo penal militar o catálogo de crimes a serem cometidos contra civis e oficiais inimigos, a assim chamada "diretiva para o extermínio dos comissários políticos, judeus e partisães", ou não-pessoas que "sind auf der Stelle mit der Waffe zu erledigen", ou seja, exterminados no ato com a pistola. Esta diretiva foi cumprida, com raríssimas exceções, em quase todos os escalões da hierarquia.

A "Kommissarbefehl", foi - para usar um eufemismo, já que particularmente detesto a palavra "direito internacional", uma expressão "kitsch" e pomposa, justamente para facilitar o trabalho do inimgo, quando se enche a boca com estes arremedos humanistas, pense no general sérvio bósnio Ratko Mladić debochando dessa retórica e suas milícias recrutadas em todas as cadeias, sedentas de sangue, no enclave de Srebrenica, no nariz da ONU, diante das câmeras distribuindo balinhas para as crianças, mas quando a luz se apaga, ele pega as balinhas de volta e ainda dá umas porradas nos meninos, nem a ONU nem a retórica do direito internacional são capazes de deter a barbárie, só a força, - a saber, a diretiva sinalizava um caminho sem volta, como em toda a carreira criminosa, há um momento de definição, ou ganhamos a guerra ou seremos enforcados em nome deste "direito internacional". Quando a ditadura argentina mal terminara de lavar as mãos do sangue, só mesmo uma guerra, se não com o Chile, até com os pinguins, poderia "purgar" sua culpa. Mas nem mesmo esta fraternização no crime, e este era o momento verdadeiro de triunfo para Hitler, aquilo que reivindicou em seu testamento como seu "legado", superava os desacordos entre "Fuehrer" e, agora, "sua Wehrmacht", ainda inebriada com a memória da campanha sobre a França, sobre o significado desta nova "vitória", aparentemente já tão próxima.

A verdadeira missão de Hitler no Leste, sua direção operacional, foi confiada, no entanto, exclusivamente às SS na retaguarda, numa espécie de "divisão de trabalho" com a "Wehrmacht" nesta primeira fase do "genocídio por fuzilamentos em massa", quando aproximadamente 3000 soldados na Ucrânia, Estônia, Letônia, Lituânia, Bielo Rússia executaram mais de 1.200.000 civis judeus em menos de três meses, a maioria mulheres, crianças e idosos.



Mas, como afirmei, estamos deste outro lado da "singularidade crua" e a ciência histórica pode nos oferecer ainda algumas explicações sobre a "peculiaridade" de certos desenvolvimentos. O historiador da Universidade de Bielefeld Hans Ulrich Wheler

pertence a uma linha teórica que defende a idéia de que a brutalidade sem precedentes da guerra de extermínio alemão no fronte oriental representou o desfecho de um "Sonderweg" da modernização autoritária e militarizada, ou da prussianização do país, feita de "cima da baixo". Ele se alinha também a uma vertente que defende a idéia de só podemos entender a Segunda Guerra como o desfecho de uma nova "Guerra Européia dos Trinta Anos". Se a primeira Guerra do Trinta Anos sangrou demograficamente os principados alemães em quase 70% de sua população, um fantasma que a assombrou po séculos, o novo conflito produziria mais de 15 milhões de refugiados e se inscreve na memória coletiva de todos os povos como a memória do extermínio definitivo.

Por que o Sr. defende uma revisão histórica das duas guerras mundiais como uma nova “Guerra dos Trintas Anos”?

Hans Ulrich Wehler – Foi Raymond Aron, conselheiro então de Charles de Gaulle, que introduziu a tese de uma nova Guerra Européia dos Trintas Anos. Esta tese nos oferece a vantagem de considerar as duas grandes guerras do século XX, bem como o entre-guerras, também marcado por uma escalação de conflitos, numa mesma constelação de continuidades e rupturas. Para muitos observadores até julho de 1941, quando a Alemanha invade a União Soviética, a Segunda Guerra parecia ser apenas uma guerra européia de revisão do Tratado de Versalhes, e não uma guerra de extermínio, uma Guerra Total. Por outro lado, ela não diminui a absoluta singuralidade do genocídio nazista. Pelo contrário: até acentua as linhas de força de uma escalação, que, para ser plenamente entendida, exige, necessariamente, um recuo à catástrofe inaugural do século XX . O genocídio foi, de certa forma, a resposta à derrota alemã em 1918. Hitler e seu Partido desejavam eliminar as assim chamadas “causas” desta derrota, mas estas não eram apenas militares ou ecônomicas, porém, essencialmente, impregnadas por uma ideologia anti-semita e anti-eslava já inteiramente manifesta na campanha do fronte oriental da Primeira Guerra Mundial.
O debate atual em torno da eclosão do conflito encontra hoje na memória coletiva das nações européias uma ressonância bastante diferenciada. Para ingleses e franceses, ela representa, ainda, a “Grande Guerra”, “The Great War” “La Grande Guerre”, porque suas baixas na população civil e no fronte foram superiores à Segunda Guerra. Já para os alemães é a experiência da guerra aérea, dos bombardeios de superfície, que varreram do mapa a maioria das cidades, esta é a experiência que ainda se mantém viva na memória coletiva. O trauma da derrota em 1918 deixou sequelas psíquicas profundas na população, que se catalizaria em breve num nacionalismo selvagem até, finalmente, encontrar em Hitler sua força motriz e unificadora.

Portanto, o conceito de “Guerra Total”, isto é, a fusão dos frontes externos e doméstico, já estava prefigurado em Verdun, como preâmbulo de um primeiro genocídio de minorias em escala industrial?



Hans Ulrich Wehler - A Primeira Guerra Mundial conduziu a uma brutalização nunca antes experimentada, pela tecnificação e industrialização do maquinário militar nos quatro anos da luta corpo-a corpo nas trincheiras e na “batalha de material”.

Milhões de homens retornaram do fronte impregnados por um sentimento de desprezo pela vida civil e com uma grande experiência no manuseio de armas. Este corpo-a-corpo continuará nas ruas alemães na fracassada Revolução Comunista de 1918 e numa guerra civil que destruiria a República de Weimar e, depois de 1933, na preparação para a nova guerra.

Mas apenas esta brutalização não é suficiente para explicar a escala do genocídio posterior, pois a elite nazista que o planejou e o executou era uma geração nascida por volta de 1915, ainda muito muito jovem para participar da Primeira Guerra, como Albert Speer, parte considerável da generalidade e das SS, que ainda estavam na infância para lamentar ter participado da Primeira Guerra. Esta geração não tinha a experiência direta com a morte como os ex-combatentes do fronte de 1914 e logrou levar a cabo, tecnocraticamente, um genocídio numa escala nunca antes imaginada, assassinos de escrivaninha como Eichmann.



Na história americana não existe Verdun, nem tampouco Auschwitz, mas o 11 de setembro. Como a população americana poderá superar o trauma do 11.09, além do capítulo do governo Bush?

Hans Ulrich Wehler - Os americanos vivenciaram a Guerra Civil há cento e cinquenta anos. Para um país protegido por dois oceanos e sem qualquer rival diante de seu poderio militar, o 11 de setembro representa uma enorme derrota. Numa única noite em julho de 1943 o ataque britânico a Hamburgo matou 38.000 pessoas, em fevereiro de 1945, em Dresden, 135.000.

Desta maneira, os europeus tendem a avaliar a reação americana como histérica. O problema é que quando um país passa quase 200 anos sem ter nenhum contato direto com o inimigo o choque ganha um sentido simbólico Mesmo que Al Gore fosse o presidente - e acredito que neste caso o Iraque não tivesse sido invadido -, a pressão politica interna não encontraia outro saída senão neutralizar o regime do Taleban. Mas Bush aproveitou o vácuo psíquico deste deste trauma não para lançar uma estratégia efetiva de combater este novo terrorismo, mas para fazer do Iraque o alvo único de sua política externa.
A distância entre o Norte e o Sul somente aumenta. Em, 1950 a distância entre o mundo árabe e o Norte era muito menor do que hoje. O mundo ocidental atravessou neste período um salto de properidade como nunca experimentado na história, enquanto no mundo árabe a estagnação se multiplicou em função de uma elite corrupta e me parece que seja tosco argumentar que isto se deve apenas ao apoio e à exploração das potências ocidentais a regimes como o do Arábia Saudita, cuja essência é a repressão. Os tigres asiáticos conseguiram dimuniur esta diferença. Portanto, as causas da miséria destas populações reside nas constelações de poder locais e desde o fim da Guerra Fria esta questão se coloca com mais ênfase. Para milhoes de árabes, o sentimento de humilhação somente se reforça com a supremacia cultural americana que desmente a cada instante o padrão de vida local e fortalece a idéia banal de que exista uma conexão direta entre esta miséria e a exploração do Ocidente. A América Latina encontrou seu caminho nas duas útlimas décadas para o crescimento. O ressentimento contra a América é universalmente difundido, mas até agora não se traduziu como esta forma virulenta de terrosimo. O mundo árabe perdeu simplesmente este passo e, ao contrário de outros contextos culturais, não consegue exercer auto-crítica.

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