quinta-feira, 23 de junho de 2011

A "Chispa Desembestada" da Esquerda Alemã - Entrevista inédita com o historiador alemão Götz Aly por ocasião do lançamento de seu livro "Unser Kampf". Fischer Verlag, 2008


Foi com muita tristeza e vergonha que pude acompanhar nas últimas semanas o desfecho infame do caso Battisti. Olhei para a gaveta e me lembrei de uma matéria que fizera, mas não pôde ser aproveitada a tempo. Numa tarde de abril de 2008, entrevistei, no hotel Moewenpick de Braunschweig, o historiador Götz Aly, durante a turnê de lançamento de seu polêmico ensaio sobre o maio de 68 alemão, ironicamente denominado "Unser Kampf", "Nossa Luta". Aly, um antigo militante maoísta, convertido ao bom senso e àquilo que os alemães costumam denominar "ein buergerliches Leben", uma vida civilizada, estava no foco da grande mídia televisiva e impressa e também sob a artilharia pesada dos "ex-companheiros" de luta imaginária.

Ainda que tardio, o acerto de contas, com base em documentos desclassificados pelo Governo federal, mostrava de que lado estava efetivamente a Razão, não apenas com os velhos professores retornados, mas sobretudo como o gabinete do ex-Chanceler Kiesenger

soube administrar de maneira eficaz a crise. Mas, além disto, Aly tocava numa questão sensível da radicalização de um setor minoritário dessa esquerda dentro da APO (a assim chamada oposição extraparlamentar), a saber, seu anti-semitismo visceral, ou aquilo que meu ex-professor, mestre e amigo Roberto Schwarz denominara, certa vez, de "chispa desembestada", um acidente mental fulminante, que, como o célebre príon da vaca louca, às vezes, se manifesta sem aviso prévio e atravanca o pensamento. A incubação deste anti-semitismo, mesclado ao antiamericanismo difuso, é um dos dados mais inquietantes deste capítulo histórico, sobretudo na biografia da ex-editora da revista Kronkret Ulrike Meinhof.

Além disto, a recepção do ensaio de Aly se ampliava em torno do debate da anistia presidencial a algumas múmias da segunda geração do RAF,

devidamente preservadas há 25 anos nas prisões seguras deste país. Portanto, o aniversário de 40 anos do maio de 68 saturava, na sensibilidade do público, a já descalibrada cobertura de mídia sobre a história do bando de Baader, Esslin e Ulrike, na foto ao lado, presa no bairro de Langenhagen, Hannover, em 1972.

E neste ponto irrompia um outro debate, diga-se de passagem sempre recorrente, em dois frontes bem claros. Se por um lado havia a necessidade política e jurídica de esclarecimento definitivo da autoria de crimes bárbaros como a excecução do Procurador da República Siegfried Bubak, no início do "Outono" de 1977,

um caso até hoje em aberto, sua autoria nunca pôde ser apurada, embora o Estado ainda mantivesse sob custódia seus agentes, muitas vozes sensatas na mídia se levantavam contra a mistificação retrô e auto-complacente deste capítulo num país que afunda mais rapidamente que o Titanic, pois a fixação neurótica da mídia alemã com o RAF já havia se transformado há décadas quase que num gênero autônomo da indústria de documentários da Spiegel TV, não apenas graças a seu editor Stefan Aust

e seu papel direto no resgate das filhas gêmeas de Ulrike na Sicília, cujo clássico "Das Baader Meinhof Komplex" (tive o privilégio de poder conversar pessoalmente com Stefan Aust e Georg Mascolo na redação da Spiegel em 2002 sobre outro célebre facínora chamado Mohammed Atta)

se transformaria num blockbuster hollywoodiano com o recém falecido diretor Bernd Eichinger, mas, sobretudo, porque o RAF sempre, debaixo deste "rótulo enganador", "Moegelpackung", da embalagem ideológica na qual se fantasiava, geralmente é oferecido e transfigurado por estas pseudo "documentações" como "a" história, por definição, da República Federal nos setenta, o centro de gravidade de sua memória, seu momento mais estridente e histérico, ao oferecer todos os ingredientes do drama e entretenimento barato, a saber, droga, sexo, rock in roll, e, claro, o tabu da loucura, ou da simples possibilidade de nos tornarmos dementes por qualquer acidente mental. Mas não só a grande mídia faturava com o mito dos "bandoleiros" schillerianos. Diretores como Claus Peymann e Heiner Mueller embalavam a carnificina com o pathos da mitologia grega. Isto não só e uma mentira colossal, mas uma "legenda" venenosamente "plantada", como não se cansa de repetir Stefan Aust, pela primeira geração do grupo e seu suicídio coletivo, o mito do "martírio político". Fora o próprio Estado alemão que construiu este elefante branco chamado Stammheim, um sarcófago e mausoléu perfeito para o "último ato" da "tragédia".

É claro que meu apetite histórico ao longo destes últimos 15 anos e meu acompanhamento detalhado de cada movimento desta paisagem me levaram a um espécie de "indigestão" e overdose imaginárias, para não falar dos documentários de guerra. Mas dizendo de forma prosaica, e este é um aspecto relevante e substantivo do tema, a exploração desse imaginário acompanhou ao longo das últimas décadas a própria evolução da forma documental, numa perspectiva mais ampla, numa mescla crescente de ficção, entretenimento e game, ou "Docutainment", hoje uma indústria milionária no Discovery, History Channel e National Geographic. Contudo, o que é mais preocupante nesta tendência é seu efeito nas gerações mais jovens, menos informadas, sem uma referência escrita aos temas, estilizando-se perigosamente em subprodutos de subconsumo como camisetas com estrelas vermelhas no lugar de Che Guevara. O que o outro lado do debate enfatiza é que esta exploração destruiu a memória das vítimas do RAF. Esta é a história que teria de ser contada, dos assassinatos anônimos e cruéis, como de um tenente americano apenas com o objetivo de roubar seus documentos para entrar num quartel e detonar uma bomba.

Mas sem fazer injustiça a todas essas vítimas, a verdadeira história da República Federal neste período podia ser lida como réquiem da plena ocupação nas auto-estradas vazias nos finais de semana durante a Guerra do Yom Kipur em 1973 ao som do novo hit "Autobhan" do Kraftwerk de Duessoldorf, uma metáfora romântica de um futuro do passado abstrato e povoado por robôs automobilistcos da VW em Bratislava e Sâo Paulo que transformariam este país no futuro na Disneylandia do desemprego.

Depois de quase 15 anos de Alemanha, se alguém me perguntasse como você definiria o legado do pensamento, se é que é possivel, ou melhor, como arqueólogo, o que restou daquele pensamento de "esquerda" neste país, mas sobretudo na caricatura que foi e na qual se estilizou esta geração 68, seja na universidade, no parlamento, ou na banalidade do trato do cotidiano, onde seus cliches não preenchem mais o completo vazio da sonaridade das antigas palavras de ordem, coisa muito menos interessantes que os fosséis da explosão cambriana quando a reprodução sexualizada, esta sim, logrou colonizar finalmente a terra firme, responderia de maneira simples, plausível e direta com uma pergunta Voce já assistiu a "Gremlins 1 e 2"? , à sequência integral de "Alien", "Predadores"?, pois é, caro leitor, se você colocar tudo isto no liquificador, o resultado é mais sensato que todo este mingau somado, a saber, que o terrorismo anti-semita, psicopata e autista do RAF, e sua sombra na legião de simpatizantes nas universidades e na classe média durante todo os setenta, o que levou a uma reação desmesurada e histérica das autoridades no trato do problema

que o massacre de Munique, que o sequestro do Airbus da Air France em Entebe, quando estudantes alemães, mais uma vez, fizeram a "triagem" de passageiros judeus, só nao contando, na verdade, que Israel nunca se esquece de seus cidadãos e os abandona à propria sorte, sobretudo, a ditadores canibais, que a célebre visita de Sartre ao "prisioneiro político" e ladrão profissional de carros Andreas Baader na prisão de Stammheim, em Stuttgart,

o mesmo Sartre que saudara o massacre de Munique, e, finalmente a "horror trip" de turistas da baixa classe média alemã em Maiorca num 737 da Lufthansa, que tiraram a sorte grande em realizar uma super turnê gratuita no coração do mundo árabe até Mogadisco na Somália, com direito, inclusive, a um pouso de emergência em Aden, tendo como mestre de cerimônias deste "comando revolucionário" um palestino sádico e prolixo vestido com uma camiseta de Che Guevara. Até o próprio Baader solicitou, cinicamente, uma audiência com as autoridades distanciando-se da "crueldade" do comando palestino com os passageiros. Pois estes foram testemunhas do assassinato do comandante Jürgen Schumann com o tiro na nuca no corredor. Schumann e a comissária Gabriele Dillmann revelaram que a coragem e o cumprimento do dever são o último reduto de nossa dignidade. Foi nisto que pensei ao ver o sorridente Battisti permanecer em território brasileiro e achei razoável retomar as reflexões de Aly.


O que tanto irrita o historiador Götz Aly, de 2008, no ex-militante de 68?

Götz Aly - Procurei trabalhar com as estruturas da pré-história nacional do movimento na perspectiva de um choque geracional inevitável. Entre o final da Segunda Guerra e o início da República Federal, em 1949, ou seja, entre os nascidos no intervalo de 1940 a 1950 e a geração anterior constitui-se um vácuo explosivo, uma bomba de efeito retardado. Nasci em 1947. Os pais dos assim chamados 68 eram, em 1939, ainda bastante jovens, entre 15 e 25 anos. O nacional socialismo foi, sobretudo, uma ditadura de jovens tecnocráticos. Quando o NSDAP chegou ao poder em 1933, Joseph Goebbels tinha 33 anos, Adolf Eichmann, 27, e Adolf Hitler, 40. A barbárie da administração do assim chamado Governo Geral na Polônia ocupada em 1939, e, posteriormente, da Solução Final a partir de 1942, foi conduzida por jovens de 30 anos.

De maneira sumária, nossos pais estavam inteiramente impregnados pela ascensão do nacional socialismo, viveram sua escalada profissional e pessoal nesses anos e terminaram, em 1945, de mãos vazias e completamente desmoralizados. Todos os seus ideais e valores foram zerados, no que se convencinou denominar, com pertinência, de "Hora Zero" da história alemã. Esses pais não podiam nos oferecer qualquer orientação moral. Aqueles que nasceram logo depois, como Helmut Kohl, eram filhos de uma geração impregnada pela experiência da República de Weimar e começaram sua vida política nos anos Adenauer. Por exemplo, meu avô fora soldado na Primeira Guerra, um oficial de bateria em Verdun. Ele aparece na vida de meu pai já como um homem destroçado pela derrota e pela consciência de que lutara por valores falsos.

Em 1968, irrompe, pela segunda vez, no curso das gerações, a história da violência do século XX. Parto do princípio, o que me parece bastante lógico, de que nesse conflito esconde-se o velho veneno do totalitarismo numa aparição tardia. Embora o movimento tenha começado de maneira pacífica e com impulsos libertários, em 1967, essas formas totalitárias do ativismo estudantil ganharam muito rapidamente o controle da situação. Na verdade, o 68 alemão já começara em 67 e se estende até 69.

Mas também escrevi e dediquei este livro, sobretudo, para meus filhos, para que eles tivessem uma visão histórica mais isenta dos acontecimentos da época. Muitos membros de minha geração, nos últimos quarenta anos, mudaram bastante de opinião, mas algo de irritante permanceu, a saber, aquela velha postura arrogante de quem sabe mais ou está do lado certo da história.

Fui militante e tornei-me historiador e, como historiador, fui aos arquivos e percebi que não havia nenhum propósito de olhar apenas a enxurada de literatura que ocupa metros de prateleira e escritos dos ex-68. Trata-se de uma literatura auto-referida, uma literatura de veterenos, por assim dizer, de velhos camaradas, absolutamente desinteressante. Procurei então os arquivos do governo federal, dos nossos antigos adversários, daqueles que nos afirmavam que nosso movimento era anti-liberal e imprevisível e quando li estes documentos encontrei;me novamente no cerne do problema do qual me ocupo já há 26 anos, a saber, que o 68 alemão é uma aparição tardia do vírus do totalitarismo, herdado dos pais dessa geração na Alemanha.

Minha pesquisa vinha privilegiando o papel extremamente negativo e destrutivo dos intelectuais no nacional-socialismo e o que já me ocorrera chamara atenção desde o início era a juventude do movimento. O nacional socialismo foi uma revolução de jovens, uma idolatria da juventude, herdeiro tardio do romanistismo.

Não estou estabelecendo uma equivalência entre ambos os momentos, mas um paralelo e uma linha de continuidade e precisamos falar abertamente sobre elas hoje. Os fóruns estudantis, a luta contra a polícia, a luta contra professores autoritários, uma postura essenciamente anti-burguesa, uma adesão incondicional aos grandes ideias utópicos, o ativismo, e, sobretudo, um coletivismo na idéia imaginária de que se vive num momento de transição entre o tempo do eu para o tempo do nós, forma esta mistura explosiva quer aproxima ambas as gerações.

Sua pesquisa nos aquivos federais revela quer o ex-Chanceler Kiesinger, membro do NSDAP desde 1933, e emblematicamente visto por essa geração como a corporificação da continuidade nazista, formou a época uma comissão independente mista para avaliar o potencial da revolta e procurou o conselho de intelectuais judeus emigrados como Max Horkheimer. De que maneira esse comissão pautou a reação oficial.


Götz Aly - E descobri quer o Chanceler Kiesenger e seus assessores eram muito mais inteligentes do que nós imaginávamos. Esses documentos não podiam chegar a opinião pública na época, pois o centro da sociedade, o assim chamado Mitte não era democrático, mas eles estavam muito atentos a radicalização de ambas as partes. Pesquisas encomendadas pelo governo mostravam na época quer 90% da população era favor da pena de morte, que mais de 50% acreditavam quer o sistema parlamentar não funcionava e que, no fundo, Hitler havia sido apenas a realização de uma idéia certa com métodos errados. O jornal sensacionalsita Bild trabalhava muito bem com os sentimentos paranóicos e anti-comunistas deste Mitte e pediu a epoca a cabeça de Rudi Dutschke.

Trës semanas depois ele sofreu um atentado.

Ao contrário de outros 68 que escreveram e ainda escrevem memórias elegíacas sobre seus feitos heróicos, daquilo que chamo de uma "literatura de veteranos", procurei dar finalmente a palavra aos nossos antigos adversários. Muitos membros do gabinte eram, sem dúvida, ex-integrantes do NSDAP, mas também havia nesse governo muitos jovens e nazistas arrependidos.

Eles reagiram de maneira muito mais inteligente e diferenciada que nós, pois dispunham de uma outra perspectiva em função o que viveram no movimento estudantil nazista antes de 33.

Eles perceberam rapidamente quer aquela dureza peculiar do 68 alemão trazia um vírus incubado na história recente. Na verdade, eles reagiram de naneira muito cautelosa e dispunham do apoio dos judeus retornados, entre os quais Horkheimer, que sabia que essa ruptura de gerações er produto de um vácuo histórico e que poderia terminar muito mal, como, de fato, terminou com o RAF na década seguinte.

A Alemanha havia sido submetida a uma espécie de coma induzido pelos aliados. Nós fugimos, como revolucionários, da pátria de nossos pais e da hipoteca de culpa que esse país ainda hoje carrega tem a ver com 55 milhões de mortos e destes 55 milhões, diga-se claramente, 15 milhões foram executados deliberadamente pelas unidades especiais da SS inicialmente na Polônia e depois pelos Ersatzkommandos na retaguarda do avanço da Wehrmacht na União Soviética e, finalmente, na Solução Final, 6 milhões de judeus, 70% da população judaica da Europa Central.

Fugimos dessa hipoteca da culpa e a projetamos no plano de uma revolução internacional. Posso compreender hoje que, como jovens, que tenhamos fugido do peso insuportável dessa hipoteca e imputado a culpa aos outros. Nesse movimento, simplificamos e linearizamos a história do nacional socialismo como fascismo e o fascismo é causado pela concentração de capital e desemboca, inevitavelmente, no imperialismo, ou seja, não se trata de aquilatar as responsabilidades pessoais, mas de diluí-las como sistêmicas.

Nesse sentido, o fascismo não se encontrava mais na Alemanha, mas disseminava-se, a época, em todas as formas de luta de libertação colonial contra Washington, ele se transferia para Teerã, em Portugal e nas ditaduras latino-americanas. Nos atribuímos uma suposta consciência de guardiães de uma moral revolucionária e nos julgávamos do lado certo da história.(reconstrução das batalhas de rua em Berlim duranrte a visita do Xá em "Das Baader Meinhof Komplex")

Os fascistas nao estavam mais, por assim dizer, em nossa família, na mesa de jantar, na vizinhança e em nossos professores, mas sim em Washington, num outro continente bem longe. Vemos isto de maneira bastante exemplar nas palavras de ordem das passeatas USA SA SS em todas as demonstrações anti-Vietnã, essas palavras de ordem revelam de maneira bem clara ao mecanismo de transferência de culpa. A SS e a SA identificavam-se se agora com os Estados Unidos.


O professor Alexander Mitscherlich afirmou certa vez que pertence a qualquer experiência revolucionária uma certa dose de parricídio simbólico. No caso de Theodor Wissengrund Adorno, o confronto com uma parcela dessa geração radicalizada foi particularmente trágico.


Götz Aly - Que esses jovens alemães, e pertenço a essa geração, não pudessem perceber que Adorno,

Horkheimer ou Loventhal tinham uma outra experiência, que não estivéssemos na posição de entender a diferença entre um professor ativo na Wehrmacht e a geração dos intelectuais judeus emigrados nos desacredita completamente. Eles dispunham de uma experiência do exílio e sabiam exatamente onde aquilo terminava.

E outra conclusão surpreendente é desmontar o consenso de que, em primeiro lugar, 68, num país em regime de plena ocupação e com uma ocidentalização e modernização aceleradas, teria conduzido a uma reforma da estrutura da autoritária da universidade e, em segundo, teria rompido finalmente o silencio sobre o passado


Götz Aly - Trata-se exatamente do contrário.

Essas são as duas maiores mentiras geracionais da história da República Federal. Primeiro acreditar que o movimento de 68 levou a reforma universitária. O processo de refoma já estava em curso desde o início dos anos 60. O governo já havia duplicado o pessoal nas universidades existentes e estava criando novas para absover a demanda crescente. Mas, em segundo Lugar, muito mais importante, esse movimento de fuga foi, na verdade, uma recusa a se ocupar diretamente com o passado nazista ele recalcou e atrasou a confrontação efetiva com essa hipoteca histórica. Esta é a pura verdade.

A desnazificação havia sido conduzida inicialmente pelos aliados até 1954. Há depois uma pequena pausa e, em 1958, começa na Alemanha, pela primeira vez, o processo contra os crimes da ocupação sovietica e depois o grande processo de Auschwitz, que se estende entre 1962 e 1965. Nesse entretempo, Eichmann foi julgado e executado em Jerusalém. Esses processos nos marcaram bastante. Nosso pais não os comentavam, mas na escola eramos submetidos a filmes sobre Auschwitz, por ordem do Estado, sobre o Gueto de Varsóvia. Enquanto isto, o judiciário instaurava, a todo vapor, outros processos e condenações perpétuas entre 67 e 69 houve o maior número de condenações de toda a história da República Federal. É claro que esses processos seriam sempre pouco se comparados a quantidade e enormidade dos crimes de guerra alemães, mas rem relação aquilo que a sociedade da época podia suportar na confrontacao com um passado ainda bem recente, 20 anos, já era expressivo.

Uma pessoa jovem que experimenta, pela primeira vez, o abismo histórico que é Auschwitz tende a recuar e procurar uma estratégia psíquica de escape, o que é até compreensível. Nós éramos entusiastas dessa ocidentalização cultural nos costumes e na cultura, sem dúvida, mas no interior da revolta esse impulso se radicalizou e sofreu uma mutação e terminamos aprisionados num esquema bipolar e maniqueísta da Guerra Fria, um mecanismo do totalitarismo do qual o comunismo também é tributário. Berlim era uma cidade fronte na Guerra Fria. A ideologia da Guerrra Fria foi na verdade uma camada de gelo quase necessária para amortizar e tornar suportável esse esquema traumático, mas ela adiava também a confrontação real com o passado. Veja bem esse esquema interessava tanto as vítimas como aos agressores diante do novo início.

Mas o que é mais supreendente é quer nenhum Kursbuch,

organizado por Hans Magnus Enzensberger,

ou panfleto estudantil da época se ocupa disto, ou seja, com aquilo quer estava nos jornais.

O Sr. Se ocupa com este Kursbuch sobre a China, de junho de 1967, durante a revolução cultural. O que se sabia de fato sobre a revolução cultural chinesa.

Götz Aly - Éramos entusiastas de qualquer processo revolucionário ou ditadura em desenvolvimento. Me coloquei a questão do que poderíamos ter sabido a epoca sobre a China. Michael Domer era o especialista em China no Instituto no Qual eu trabalhava em Berlim. No entusiasmo comunista achávamos a revolução maravilhosa, e posteiormente repetimos o mesmo erro com o Camboja, mas não sabiamos ainda nada sobre Pol Pot. Achamos o radicalismos deste comunismo exemplar. O balanço veio apenas depois, as violação dos direito humanos na China. Estava nos jornais e nos midias americanos. Havia muitas vozes que se mostravam reticentes por este nosso entusiasmo, mas dizíamos quer o quer estava nos jornais era produto dos reacionários e eles mentem sobre a China.

E finalmente quando o movimento desemboca no terrorismo do RAF, o potencial anti-semita finalmente mostra sua verdadeira face, como revela a carreira da jornalista e editora da revista Konkret Ulrike Meinhof.

Götz Aly - A sobrevivência do anti-semitismo ilustra, mais uma vez, o mecanismo de transferência de culpa na identificação com as vítimas palestinas diante de um suposto estado agressor. Ulrike Meinhof é uma figura bastante interessante, que, no meu ponto de vista, merece respeito em sua dimensão histórica. Ela foi a primeira jornalista alemã que perguntou a Marcel Rainicki, como foi no gueto de Varsóvia. Nenhum outro jornalista tivera atü então a coragem de formular esta pergunta. Isto a diferencia neste período de todos os seus colegas de profissão. Meinhof. Em 1967, quando comecou a Guerra dos Seis Dias , três dias depois do morte de Benno Ohnesorge

durante a vistia do Xá Reza Parlevi a Berlim, ela afirmou O coração da esquerda bate por Israel. Mas então ela mergulhou na clandestinidade e na loucura do RAF Nos meses e anos seguintes e o gesto de Willy Brandt em se ajoelhar diante do monumento do Gueto de Varsóvia foi anotado por ela como uma ocupação da classe dominante com contradições lateriais e de repente a essência do anti-semitismo revela-se mais uma vez no gesto anti-capitalista quando ela finalmente afirmou precisamos declarar o povo alemao inocente do anti-semitismo se quisermos ganhá-lo para a revolução, uma afirmação imperdoável, mesmo quando debitamos a loucura da clandestinidade terrorista da qual é produto. Esta radicalização e endurecimento é parte do conflito e dos descaminhos dessa geração. Nós não os procuramos, eles já eram congênitos e muito maiores do podíamos adminstrar e, por isto, em parte, o mergulho na loucura.


A reunificação pôs finalmente um termo a esse desencontro, como uma vingança involuntária da história. Berlim, quer havia sido até entao uma ilha de prosperidade e um reservatório tardio dessas subculturas alternatives ate meados dos oitenta, mantida a subsidios, testemunha uma outra revolucao.


Götz Aly - Se esta geração tentou se exilar na revolução, a história e seus conteúdos recalcados voltou e eles foram pegos de calças curtas. Portanto, essa geração não poderia ter uma relação positiva com a Reunificação. É trágico. A geração 68 não pode perdoar 1989, pois, em primeiro lugar, 89 foi uma revolução real, em segundo lugar, foi uma revolução pacífica. Enquanto a Alemanha dispunha de recursos excedentes para amortizar e manter sob controle os conflitos sociais, essa geração poderia ainda cultivar e perpetuar sua aura alternativa. A Reunificação conduziu a Alemanha finalmente ao terreno dos fatos. Ela encerra a Segunda Guerra Mundial, o fim da ilusão da RDA e se oferecia como possibilidade de integração definitiva dos remanscentes dessa antiga esquerda. Os quer não conseguiram se integrar nutrem um ódio peculiar a ex-RDA e seus cidadãos, que simplesmente deixaram para trás seu país, um ódio quer se alimenta da disparidade entre os sonhos revolucionários de outrora e a história real que os atropelou. Nessa parcela dos ex-68 estão os sentimentos mais arraigados de recusa a normalidade de uma Alemanha reunificada.

Nenhum comentário:

Postar um comentário